O DIA DE CRISTAL

Tal como se temia, um dos maiores grupos de Comunicação Social portugueses usou hoje a arma de arremesso que é o despedimento colectivo para mandar para o desemprego mais de 100 profissionais dos jornais Diário de Notícias, Jornal de Notícias, 24 Horas e O Jogo. Em causa estão sobretudo duas coisas que os próprios jornalistas não valorizaram: o de que o concentracionismo é uma ilusão e muito mais deveria ter sido feito quando a Assembleia da República alterou o estatuto do jornalista. Não é que os jornalistas sejam mais que um sapateiro ou um pedreiro, apenas porque os jornalistas jogam numa área onde necessitam do mínimo de protecção. Mas está visto que no mundo de hoje vale sobretudo a força do capital e que este come ética e deontologia ao pequeno almoço, bastando para tanto dar a uns poucos (ou nem por isso) galões de directores ou de ajudantes de campo dos mesmos. São os patrões que arriscam e entendo que devem ser os patrões a riscar quando chega a hora de agilizar os investimentos. Mas penso também que há que respeitar certos princípios. Não está aqui em causa uma fábrica que não consegue fazer escoar a sua produção e que vende artigos obsoletos. Está em causa uma empresa que investiu milhões na aquisição do grupo em si e que após os primeiros sinais de crise faz rolar a cabeça daqueles que não assinaram projectos que não venceram. Não sou nem nunca fui corporativista e não me atravesso por todos os jornalistas que hoje foram despedidos. Muitos deles eram simples parasitas do trabalho dos seus colegas. Este foi apenas um dia escuro para mim quando confirmei que velhos companheiros de estrada levavam uma violenta chapada, como são os casos de alguns que admiro: Fernando Rola, Luís Santos, Jacinto Velhote, Paulo Silva, Paulo T. Silva, Alfredo Mendes, David Augusto, Rui Gomes, Jorge Fonseca, entre outros que certamente esqueci. Os predadores andam aí nas redacções e amanhã posso ser eu a ser tragado num ápice. Ter esta consciência já é alguma coisa. Quando os lobos uivam ou é porque estão com fome ou com raiva.

Outros testemunhos:

Dramática, lamentável e preocupante. São escassos os adjectivos para classificar a situação difícil que vivem os nossos colegas. A dura realidade do desemprego caíu como uma bomba e apanhou-nos a todos de surpresa. Sim, era público que a conjectura não é a mais favorável, que as vendas estão em queda e que a recessão económica há muito se instalou não só nas conversas de bastidores, mas também nas administrações. Ninguém esperava, contúdo, que a tragédia chegasse tão súbita e violentamente. A todos os atingidos por esta vaga irracional um sentido e solidário abraço. Que a revolta e impotência perante a situação actual depressa se transforme em força para enfrentar os tempos que se seguem.
Luís Vieira

Detesto acordar com certezas. Sobretudo quando elas confirmam ventos de ganância e de desespero, sentimentos que andam associados entre gente que se dissocia. Não adianta mais falar ou explicar a crise. Estou com a raiva da impotência na garganta e não há disfarce para isto. Não posso ajudar, não tenho como ajudar, ainda estou em luta para me levantar de novo e dezenas de amigos meus perdem hoje o emprego. Amigos e ex-colegas.Mais de uma centena de jornalistas vão deixar, forçadamente, os seus postos de trabalho em vários órgãos de comunicação portugueses... A seguir seguem-se as partes técnicas, os dramas pessoais. Há até marido e mulher a ficar sem salário.Sobretudo não faz sentido! E quando não faz sentido, é nojento.
António Barroso

O despedimento colectivo na Controlinveste de Oliveira é uma vergonha.Percebemos que o Mundo mudou e os jornais terão de mudar. Sabemos que a internet vai ser um longo caminho para trilhar e que daí virão novas formas de viver. Sabe-se que as redacções dos jornais não fazem sentido como há 5 anos atrás. Mas esta mudança na Controlinveste parece uma mudança de merceeiro. Andaram há semanas a contratar jornalistas para agora despedirem um batalhão de profissionais, a maioria capaz e competente.Percebe-se que jornais mal feitos, que têm sido mal estruturados, que não aumentaram vendas nem ganharam novos públicos, que investiram mal na internet, venham agora despedir em massa e fazer fusões, como se se tratasse de misturar alhos e bugalhos.Claro que a fotografia também não sai nada beneficiada nesta mudança. E o fotojornalismo volta a ser considerado um mero serviço de apoio à redacção e não uma função jornalística.Vai haver uma pool de estafetas-fotógrafos mandado por um sargento qualquer. Não está em causa um projecto inovador para o qual pode ter de haver reajustamento de pessoas em função da competência. Não: a ideia é sempre, à portuga espertalhaço, de fazer mais com menos e fazer mais do mesmo.Não gosto de me pronunciar sobre projectos alheios, mas a barbaridade desta mudança devia ser posta em questão pelo fragilizado Sindicato dos Jornalistas e pela classe.O que fica depois de tudo isto é que esta gente que só sabe despedir, falhou completamente. Deviam começar por se despedirem a si próprios, pois nem mais jornais foram capazes de vender. Abandonaram o jornalismo para se tornarem em comissões liquidatárias. Uma miséria.
Luiz Carvalho