SOBREVIVER AO NATAL

Tá visto que esconder a cabeça na areia não resulta pois pelo menos uma pulga aparecerá para nos desejar bom Natal.
Não há outro remédio: dar o peito às balas.
Melhor dizendo, aos votos tradicionais, hoje disparados de rajada via SMS.
Tentamos resistir mas é mais uma batalha perdida. Recebido o impacto, temos de ripostar. Gosto de lasanha mas não gosto respostas em massa e procuro responder a cada um de forma personalizada.
O Natal, entretanto, arrasta-se. Ele que se faz anunciar muito antes e que nos invade primeiro com efeito formigueiro, depois de forma absolutamente virulenta. Quando damos por ela, antes ainda do dia 25, estamos em estado terminal B. Mas aqui não dá para mudar em Nine que a gare é do outro lado. Esta parte do "que a gare" vem a seguir e costuma ser bastante dolorosa.
Neste entretanto, as câmaras dão tolerância de ponto sob o argumento de que este não é "um período produtivo". Mais uma falácia. Nunca durante o resto do ano vejo tantos que fazem tão pouco a quererem fazer muito. O Natal é uma febre. Não apenas de consumo. Uma febre de sentimentos e de emoções. Vemos amigos hoje onde ontem víamos o pior dos inimigos, bebemos um copo de Porto com aquele familiar que ontem nem podíamos ver, trocamos presentes com o tipo que nos come a namorada ou mulher... Fazemos tudo isto com um sorriso nos lábios, o tal sorriso natalício, da fraternidade, bla, blá, blá...como aquela canção memorável do Quarteto 1111.
O Natal pode ser representado por aquele momento da I Guerra Mundial em que as duas trincheiras interromperam a guerra para beber um chá quente e jogar futebol (vi isto num filme qualquer).
O Natal é um daqueles intervalos do demente profundo que subitamente sobe a uma cadeira e diz que estamos todos a voar sobre um ninho de cucos.
O Natal é o silêncio breve do olho do furacão, o luar todo sobre o mar, um sonho erótico, um peido pleno...
O Natal é o sorriso da criança, a ternura dos velhinhos, o açúçar dos sonhos, uma rabanada de vento quente...
O Natal, tá visto, é o reino dos impostores. O próprio Natal em si é um impostor. Chega a galope, passa a trote e quando se despede larga apenas mais uma poia para acrescentar à merda de Mundo que temos.
Salva-se o bacalhau. A pinga. Aquele conversa subitamente filosófica. O amigo que telefona da Patagónia e apenas nos diz a paisagem que está a ver. Claro, a alegria das crianças, embora suportada nas tradicionais prendas. E também a perspectiva de que a vida vai continuar.

Não é uma perspectiva especialmente empolgante mas, confesso, sabe bem voltar à rotina. Hoje não estou convocado para qualquer almoço, lanche ou jantar. Tenho um dia inteiro pela frente com 2 ou 3 tarefas para cumprir.

Se a coisa correr bem, não cumprirei nenhuma. Ficarei por aqui simplesmente a ruminar. Não me critiquem por isto. O meu segundo nome é Rudolfo.