3 HISTÓRIAS, 3 HOMENS


A propósito de um cliente atento e inteligente deste blog...

A questão dos maus e dos bons, como um dia tão bem tratou Miguel Esteves Cardoso, o pai da actual geração dourada de cronistas, não é tão má como parece. O que seria das religiões, por exemplo, sem o maniqueísmo? E da vida dos homens? Parafraseando o Miguel no seu apogeu criativo, bem distante da velocidade de cruzeiro minimalista que agora adoptou, também no futebol o bom pode não ser tão bom quanto isso e o mau idem. Tentando imitar o "mestre", diria que uma boa alma com ideias medíocres não pode ser tão apreciada como um sacana brilhante. No fundo, o que é o jogo da bola se não uma lição de sacanagem: não é o melhor aquele que engana o adversário; não é o craque o que humilha o adversário com a sua técnica?; não é o grande presidente o que ludibria os seus congéneres? Fosse o futebol um desporto linear, como as corridas de 100 ou 200 metros (e mesmo nessas é o que se sabe...), e não teria a popularidade que tem. Aliás, sobre o futebol irão as gerações futuras escrever muitas História, tal é a profundidade e a importância do fenómeno nos tempos correntes. Mas isso já não será connosco. Ao longo dos anos habituei-me a relativizar as coisas e a não cuspir facilmente para colar rótulos nas pessoas. Quem me conhece sabe que não sou um tipo comprometido mas sabe também que sou um tipo que gosta de alinhar. Por "alinhar" entenda-se o meu gosto pessoal. Não posso deixar de apreciar o valor e o percurso de algumas pessoas, mesmo quando estão em causa personagens que estão muito longe de ter um comportamento normal. Aliás, os extravagantes e excêntricos é que têm marcado a mudança no Mundo e sabe-se como os homens são por natureza avessos à mudança. No caso do nosso futebol, há três dirigentes, como se diz hoje, incontornáveis: Pinto da Costa, Valentim Loureiro e Pimenta Machado. Confesso que tenho pelos três uma enorme admiração e que me considero um privilegiado por ter vivido a história às vezes muito perto deles. Dos três, e porque sei que os leitores gostam destas coisas, recordo três momentos:

COM PC - No mar do Mussulo, em Luanda, e nas cataratas de Niágara, no Canadá. No primeiro momento quando o vi alguém chegar a nado, em estilo bruços, para chamar o pequeno grupo de jornalistas para o almoço. O João Cartaxana não queria acreditar mas era mesmo ele, PC, que depois do almoço lá montou na mota de água e foi dar umas voltinhas. Na fronteiras dos Estados Unidos com o Canadá, numa viagem relâmpago a Toronto, na companhia do meu amigo Paulo Santos, fiquei pasmado com a paciência do homem para posar junto a um candeeiro de forma a que o meu colega conseguisse tirar um boneco minimamente aceitável com a cascata de água ao fundo. Em ambas as ocasiões, tive o privilégio de desfrutar também da boa conversa de uma pessoa que gosta de estar com os outros e que não fala só de futebol. E confesso o meu espanto ao receber um dia um telefonema seu para saber como é que tinha corrida uma entrevista que dera à TVI, entrevista que por acaso não correra nada bem, tal como eu tinha previsto quando soube que o entrevistador ia ser o Henrique Garcia...

COM VL - Recordo a primeira entrevista que lhe fiz, ali ao Marquês, e acabei perguntando pela história das batatas. A minha carreira só por pouco não acabou ali. Obviamente, a sua reentrada na Liga, depois da suspensão, foi outro momento que pude partilhar com ele. Se bem que o mais espectacular foi um Parma-Boavista que vi ao lado dele e de Fernando Gomes, antigo presidente da Câmara do Porto, durante o qual o major fartou-se de dizer mal do "Aspirina" também conhecido por Asprilla, isto depois de ter descalçado os sapatos e de dar umas tantas palmadas no assarapantado presidente da CMP. Ah, claro, e não esqueço uma sardinhada na sua casa do Mindelo, com o plantel então comandado por Mário Wilson, interrompida quando um dos seus filhos apareceu e levou um estaladão. Mais tarde vim a perceber que era o João.

COM PM - De todos eles foi o presidente com quem mais empatia criei, sobretudo depois de abandonar o cargo. Nunca o vi a fazer o Cristo nas argolas, uma das suas especialidades no ginásio que fez no complexo que inventou, mas admiro a sua agilidade mental e o seu autismo. Se repararem bem, não há um só dirigente que seja capaz de dizer bem de Pimenta Machado, o que na minha óptica quer dizer que ele quando tratou com eles foi sempre um bom adversário. Confesso que o momento em que mais surpreendeu foi quando um dia me perguntou quem é que eu escolheria para treinador do Vitória. Devolvi a bola mas fiquei a imaginar a solidão de um homem que preenchia todas as cadeiras da sala de reuniões do Vitória, onde se sentavam colegialmente o António, o Alberto, o Coimbra, o Pimenta e o Machado. E, sim, é verdade: foi o único dirigente que me telefonava a dar notícias.