Num tempo em que, na sua forma endémica, a hipocrisia campeia, as notícias sobre homens livres que abrem o coração e a alma independentemente do contexto e de eventuais castigos são sempre reconfortantes. Homens que falham como os outros homens mas que não se escondem nos seus complexos, nas suas tristezas, insuficiências e perfídias. Homens simples. Com memória. Com histórias. Com o "carácter agudo" de que Pulido Valente fala quando escreve sobre Paiva Couceiro, herói português do início do século XX (que já lá vai). Ora, nos tempos que correm um "carácter agudo" é algo de bestialmente perigoso para os defensores da ordem estabelecida, onde vivem numa hierarquia complicada mas na qual se sentem confortáveis. Reparem que não estou a falar de nada, estou a falar de tudo. Não sabemos o que aí vem mas bom não deverá ser. A competição é feroz e a literatura de cordel sobre os diversos métodos para vencer na vida desprezando qualquer valor humano fazem temer o pior. Haja esperança nas novas gerações, se estas porventura conseguirem abstrair-se dos sms, dos computadores e das praxes académicas. Confesso: é uma esperança apenas teórica, que permanece como uma chama de vela que tenta manter-se acesa no meio de uma tempestade. Ok, é sábado, saltei cedo da cama, não encontrei novidades nos jornais e o melhor que consegui foi tomar o pequeno almoço com o canal História, vendo um documentário sobre os vinhos da Califórnia que agora podemos comprar no Lidl por 2,5 euros. É penoso viver num país que acha que é importante discutir a presidência da RTP e onde prédios de papel quase implodem devido a uma simples explosão de gás. O país das refinarias radioactivas (sim!), dos presidentes de Câmara refugo dos refugos da política, dos parlamentares que tentam disfarçar carecas com 3 fios de cabelo na testa, dos falsos juízes, do capitão Roby e da Dona Branca, da "Catherine Deneuve" e das fotocópias, dos militares que saem apenas dos quartéis em protesto salarial (como, afinal, em Abril de 1974), da pequena Maddie e do pequeno Rui Pedro, dos meninos da Casa Pia que dão o cuzinho, dos pseudo deuses da economia que fazem o que querem dos ministros, do aplauso ao monocromatismo de uma estação como a Sic Notícias, do monopólio das transmissões futebolísticas...enfim, resumindo tudo numa frase de Luís Marçal, durante a transmissão do Portugal-Espanha, em futsal, daquele país de "heróis do Mar de quinhentos" que se transformou no "país dos heróis do multiusos" (de quinhentinhos) pouco antes de se apanhar a ganhar por 2-0 e começar a jogar para trás até perder nos penáltis. Confesso, Luís, pode não ter sido uma parábola feliz - mas acertou na mouche!
PS - A Filipa serve apenas como elemento decorativo. Também está bem.