Argumentação bacoca

Tinha decido não me envolver na polémica resultante do texto que o Eugénio escreveu sobre os Paralímpicos, mas depois do assunto ter ultrapassado várias barreiras, entre as quais a do limite da lógica, não resisto e vou também tecer alguns considerações sobre a matéria. Mais que não seja porque, enquanto jornalista filiado no respectivo Sindicato, não posso deixar passar em claro a intervenção triste e despretigiante do seu Conselho Deontológico sobre o tema. No entanto, e para que não restem dúvidas, não me move nenhum sentimento de corporativismo com ninguém. O Eugénio, que conheço há 20 anos, não precisa de acções públicas de solidariedade, pois é um "menino crescido" e sabe muito bem o que faz e porquê.

1 - Segundo julgo saber, ainda vivemos num país democrático. Entre outras coisas, penso que isso nos confere o direito de escrever sobre tudo e todos. E para o caso pouco importanta se quem escreve ou fala é jornalista do "Record", membro do Conselho de Administração de um "blog" ou desempregado. Acredito que todos os cidadãos têm o direito de opiniar. Da mesma forma que é legítimo alguém não gostar do que lê ou ouve. É por isso que temos muitos canais televisivos, muitos jornais, muitas rádios, muitos "blogs". Só levamos com o que queremos. E quem "apanha" com o que não gosta é, no mínimo, distraído ou masoquista.

2 - Parece-me normal que a tal Patrícia (ou Patrício)tenha apresentado queixa sobre algo que não gostou. Tem esse direito. E como este "blog" não tem livro de reclamações - embora os comentários possam desempenhar esse papel -, resolveu apelar ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Tudo bem. E parece-me bem que a entidade em causa tenha tentado esclarecer a situação.

3 - Grave é constatar o teor da intervenção do Conselho Deontológico de um Sindicato que é o meu. Considerar que o texto ofende ou discrimina quem quer que seja - com excepção aos hipócritas militantes que aproveitam todas as medalhas, dos deficientes ou dos "eficientes", para aparecer, tirar umas fotos e dizer meia dúzia de baboseiras - é triste, pois revela uma interpretação distorcida do conteúdo. E isso, vindo de quem é ou foi jornalista, é mau. E pior é ordenar um pedido de desculpas. Era só o que faltava, pelo menos com base na argumentação apresentada que, acrescente-se, é bem fraquinha.

4 - Entre várias tiradas que, se não se tratasse de um texto pretensamente sério, me fariam rir, destaco uma passagem: "Uma ética de responsabilidade pressupõe que o jornalista avalie sempre as consequências que os seus actos provocam nos visados". Na génese, naturalmente, concordo, mas gostava que os baluartes da deontologia da minha classe explicassem, a mim e todos os que vivem na área da Comunicação, o alcance da frase. Por exemplo, se dizer que "o Governo não tem combatido bem a crise" posso ser acusado de estar a pressionar José Sócrates e seus pares? Se o Primeiro-Ministro se demitir o culpado serei eu? Ou melhor: se afirmar que "Carlos Queiroz não armou bem a equipa para o jogo com a Suécia" poderei, futuramente, ser acusado de ter provocado uma instabilidade tal no Professor que um eventual insucesso na fase de qualificação terá a minha assinatura?

5 - Fico a aguardar mais intervenções enérgicas do Conselho Deontológico. Se pegaram nisto, acredito que não vão ter mãos a medir no futuro. E aconselho já o Eugénio a fazer uma queixa. Será que o autor do parecer "avaliu as consequências que o seu acto (leia-se texto) provocou no visado?"

6 - É triste que uma classe com tantos problemas (e tão graves) perca tempo com assuntos que, facilmente, se resolviam em 5 minutos. Se calhar, para muitos dos meus camaradas de ofício, ainda existe uma nítida diferença entre os jornalistas "a sério" e os de desporto. Será o caso?

PS - Se este escrito ferir as susceptibilidades de quem quer que seja... é pena. Garanto que não tinha essa intnção. Mas, aviso desde já, não pedirei desculpas a ninguém. Ainda não cheguei ao ponto de ter de me desculpar por pensar pela minha cabeça.