Do presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas recebi esta carta a propósito da queixa apresentada contra mim por Patrícia Gameiro:
"I. Origem
Eugénio Queirós, jornalista, editou no blog "Bola na Área" o comentário "Para quê?", datado de 9 de Setembro de 2008, no qual alude aos Jogos Paralímpicos. O jornalista afirma que, de 4 em 4 anos, "o pessoal com handicap (físico ou mental) aproveita as instalações desportivas olímpicas e vai também à caça à medalha". Alude que "o Mundo considera isto um acontecimento". O jornalista considera que quando muito "é uma boa ideia". Discorda, todavia, que os Jogos Paraolímpicos sejam transformados em "um acontecimento, com páginas de jornal". Além do "bizarro da coisa", a explicação que encontra é "os eficientes" justificarem "a sua geral indiferença pelos 'outros' com este tipo de paternalismo". Afirma também que "o desporto de alta competição nada tem a ver com esta espécie de ATL, com cães-guias, próeteses da Puma e jogos de salão". Comenta, por último, as declarações do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias, proferidas após a conquista das medalhas de ouro e de prata pelos atletas de boccia João Paulo Fernandes e António Marques. Fá-lo desvalorizando o resultado obtido pelos atletas. O comentário de Eugénio Queirós suscitou no blog 355 reacções de pessoas que manifestaram as suas opiniões. Muitas são de indignação e parte desses comentários são insultuosos para o autor do texto.
II. Queixa
O comentário de Eugénio Queirós suscitou "uma grande dose de revolta" a Patrício Gameiro, que entendeu, em 13 de Setembro de 2008, apresentar ao CD do SJ queixa contra o jornalista. A queixosa qualifica o artigo como "nojo". Considera que o comentário revela "falta de senso" e que viola o código de ética dos jornalistas. Considera ainda que a liberdade de expressão, com a qual está de acordo, não justifica "este tipo de linguagem". Alude também ao facto de Eugénio Queirós exercer a profissião de jornalista no jornal "Record".
III. Interpelação
O CD do SJ apreciou a queixa na sua reunião de 18 de Setembro e decidiu interpelar Eugénio Queirós sobre este caso. Questionou-o sobre o ponto 8 do CD do Jornalista, o qual estabelece que "o jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, nacioanlidade ou sexo". O Estatuto do Jornalista dá, aliás, à questão uma interpretação mais ampla na alínea e) do seu artigo 14.º. Na sua versão consolidade de 2007, estabelece como dever dos jornalistas: "Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religão, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual". O CD questionou o jornalista se se considerava desobrigado de cumprir os princípios éticos e deontológicos e a letra da lei quando emite opiniões editadas num blog. O CD distingue a acção pessoal do jornalista num blog da sua actividade profissional na redacção do jornal "Record". Como o jornal "Record" fez a cobertura noticiosa dos Jogos Paraolímpicos e ao evento dedicou páginas da sua edição impressa e espaço no site Internet, questionou-o sobre a sua opinião quanto à opção editorial do "Record".
III. Resposta
Eugénio Queirós respondeu ao CD em 24 de Setembro de 2008. O jornalista confirma que o comentário é da sua autoria e que é um dos membros do blog "Bola na Área". Refuta que "tenha, de algum modo, usado um tratamento discriminatório dos deficientes". E, em abono da sua tese, traz à colação as reacções ao seu comentário. Opina que as reacções - que designa como debate "longo e intenso" - "dividiu opiniões", "o que penso só revelar a pertinência do texto". O seu texto, como diz, suscitou "mais de 300 comentários editados, a que se acrescentaram outros tantos que não foram editados, bem assim como algumas referências na Imprensa e na rádio".
Eugénio Queirós reconhece que "a liberdade de expressão tem fronteiras que muitas vezes ultrapassamos". Pensa não ter sido o seu caso, "embora admita ter estado nos limites da mesma". Opina que para suscitar "a discussão por vezes é preciso ousar um pouco e a blogosfera é um espaço que permite outras liberdades". Afirma ter "pelos deficientes o respeito que tenho pelos ditos eficientes" e admite que "alguns dos termos usados não tenham sido os mais felizes mas lendo e relendo o que escrevi continuo a pensar que não ofendi ninguém e muito menos discrimei...quando muito, eu é que fui discriminado, tal o nível de intolerância dos comentários, que editei, esses sim, verdadeiramente insultuosos". Diz que no comentário "apenas quis pôr em equação, e penso que consegui, dois pontos: a amplificação mediática de uma competição sem valor competitivo e a hipocrisia que existe durante mais de 3 anos em relação aos atletas deficientes". Quando ao CD de ao Estatuto de Jornalistas, reconhece: "Existem. Portanto, temos de respeitá-los". Eugénio Queirós confirma que o jornal "Record" fez a cobertura noticiosa dos Jogos Paraolímpicos. Afirma não estar "em desacordo com essa opção editorial nem tenho que estar pois sou um simples redactor e quando não concordar com as opções editoriais do meu jornal posso sempre tentar trabalhar noutro lado".
IV. Análise
A resposta de EQ expressa uma posição de princípio. Os Jogos Paraolímpicos são uma competição sem valor competitivo, só justificada por hipocrisia da sociedade.
E induz duas convicções pessoais: a legimitidade de usar ousadia expressiva para provocar a discussão; e a possibilidade de recurso à blogosfera pela permissão de "outras liberdades", as qusi se presume que seja por comparação com os meios de comunicação social e por os blogs serem um campo sem regulação.
Embora admita ter pisado os "limites" da liberdade de expressão, enjeita responsabilidades pelas palavras e opiniões produzidas. Pelo contrário, deduz a pertinência da sua iniciativa por ter alegadamente gerado uma clivagem de opiniões e ter suscitado reacções e comentários sobre ele próprio, alguns deles intolerantes e outros "verdadeira insultuosos". Rejeita também ter usado um tratamento discriminatório, o qual readica nas convicções pessoais que manifesta quanto às prorrogsativas de cidadãos portadores de deficiência e quanto à sua concepção sobre os Jogos Olímpicos.
Vale a pena citar por oposição àquele que parece ser o entendimento de Eugénio Queirós, dois exemplos de ideal olímpico. Um deles, o do atleta olímpico canadiano Cristopher Jarvis para quem "o verdadeiro espírito olímpico não é ganhar uma medalha de ouro, mas superar os seus próprios limites". O outro exemplo salienta que recordar o espírito olímpico é "aderir a uma aspiração de harmonia, cultura e paz universais, numa permanente busca da concretização de uma utopia, na crença na capacidade humana de construir o ideal". Este último é da autoria de Francisco de Oliveira, que assinou o prefácio e coordenou o livro "O Espírito Olímpico no novo milénio", uma colectânea de contributos de investigadores de várias universidades portuguesas e estrangeiras editada pela Imprensa da Universidade de Coimbra. Na sua resposta ao CD, EQ não responde, explicitamente, se se considera desvinculado de cumprir princípios éticos e deontológicos, quando emite opiniões editadas num blog. Todavia, as razões que aduz sobre as características da blogosfera conduzem à dedução de que aí são permitidas "outras liberdades".
IV. Conclusões
As concepções implícitas nas opiniões expressas por EQ no seu cometnário e na resposta a este CD fere valores éticos gerais e ofendem princípios de cidadania. EQ fez notar, na sua resposta, que a interpelação do CD considerou a prioria que aludiu aos jogos Paraolímpicos num tom "discriminatório e insultuoso". A posteriori, a consideração foi confirmada.
EQ tem uma convicção e recorreu aos meios utilizados para justificar um fim último. Uma ética de responsabilidade pressupõe que o jornalista avalie sempre as consequências que os seus actos provocam nos visados. Pressupõe que o jornalista não descarte responsabilidades, pretendendo conferir pertinência ao acto por te gerado reacções. Apesar das suas opiniões terem sido expressas num blog, não fica desobrigado de deveres deontológicos da profissão. Não deveria sequer considerar-se desobrigado de preservar o bom-nome profissional, que deve constituir um pré-requisito ético do jornalismo. EQ assume que ultrapassamos (usando um plural majestático dúbio) muitas vezes as fronteiras da liberdade de expressão como se isso fosse uma contingência natural. Ora, as violações não se naturalizam pelo hábido de proceder erradamente
O CD do SJ considera que a atitude de EQ merece reparo e é eticamente reprovável.
Considera ainda que o jornalista deve apresentar desculpas aos ofendidos, no blog "Bola na Área".
Assina o relator, Orlando César, presidente do CD dos Jornalista e ex-jornalista de "O Diário", num acórdão aprovado por unanimidade no dia 1 de Outubro de 2008.
"I. Origem
Eugénio Queirós, jornalista, editou no blog "Bola na Área" o comentário "Para quê?", datado de 9 de Setembro de 2008, no qual alude aos Jogos Paralímpicos. O jornalista afirma que, de 4 em 4 anos, "o pessoal com handicap (físico ou mental) aproveita as instalações desportivas olímpicas e vai também à caça à medalha". Alude que "o Mundo considera isto um acontecimento". O jornalista considera que quando muito "é uma boa ideia". Discorda, todavia, que os Jogos Paraolímpicos sejam transformados em "um acontecimento, com páginas de jornal". Além do "bizarro da coisa", a explicação que encontra é "os eficientes" justificarem "a sua geral indiferença pelos 'outros' com este tipo de paternalismo". Afirma também que "o desporto de alta competição nada tem a ver com esta espécie de ATL, com cães-guias, próeteses da Puma e jogos de salão". Comenta, por último, as declarações do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias, proferidas após a conquista das medalhas de ouro e de prata pelos atletas de boccia João Paulo Fernandes e António Marques. Fá-lo desvalorizando o resultado obtido pelos atletas. O comentário de Eugénio Queirós suscitou no blog 355 reacções de pessoas que manifestaram as suas opiniões. Muitas são de indignação e parte desses comentários são insultuosos para o autor do texto.
II. Queixa
O comentário de Eugénio Queirós suscitou "uma grande dose de revolta" a Patrício Gameiro, que entendeu, em 13 de Setembro de 2008, apresentar ao CD do SJ queixa contra o jornalista. A queixosa qualifica o artigo como "nojo". Considera que o comentário revela "falta de senso" e que viola o código de ética dos jornalistas. Considera ainda que a liberdade de expressão, com a qual está de acordo, não justifica "este tipo de linguagem". Alude também ao facto de Eugénio Queirós exercer a profissião de jornalista no jornal "Record".
III. Interpelação
O CD do SJ apreciou a queixa na sua reunião de 18 de Setembro e decidiu interpelar Eugénio Queirós sobre este caso. Questionou-o sobre o ponto 8 do CD do Jornalista, o qual estabelece que "o jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, nacioanlidade ou sexo". O Estatuto do Jornalista dá, aliás, à questão uma interpretação mais ampla na alínea e) do seu artigo 14.º. Na sua versão consolidade de 2007, estabelece como dever dos jornalistas: "Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religão, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual". O CD questionou o jornalista se se considerava desobrigado de cumprir os princípios éticos e deontológicos e a letra da lei quando emite opiniões editadas num blog. O CD distingue a acção pessoal do jornalista num blog da sua actividade profissional na redacção do jornal "Record". Como o jornal "Record" fez a cobertura noticiosa dos Jogos Paraolímpicos e ao evento dedicou páginas da sua edição impressa e espaço no site Internet, questionou-o sobre a sua opinião quanto à opção editorial do "Record".
III. Resposta
Eugénio Queirós respondeu ao CD em 24 de Setembro de 2008. O jornalista confirma que o comentário é da sua autoria e que é um dos membros do blog "Bola na Área". Refuta que "tenha, de algum modo, usado um tratamento discriminatório dos deficientes". E, em abono da sua tese, traz à colação as reacções ao seu comentário. Opina que as reacções - que designa como debate "longo e intenso" - "dividiu opiniões", "o que penso só revelar a pertinência do texto". O seu texto, como diz, suscitou "mais de 300 comentários editados, a que se acrescentaram outros tantos que não foram editados, bem assim como algumas referências na Imprensa e na rádio".
Eugénio Queirós reconhece que "a liberdade de expressão tem fronteiras que muitas vezes ultrapassamos". Pensa não ter sido o seu caso, "embora admita ter estado nos limites da mesma". Opina que para suscitar "a discussão por vezes é preciso ousar um pouco e a blogosfera é um espaço que permite outras liberdades". Afirma ter "pelos deficientes o respeito que tenho pelos ditos eficientes" e admite que "alguns dos termos usados não tenham sido os mais felizes mas lendo e relendo o que escrevi continuo a pensar que não ofendi ninguém e muito menos discrimei...quando muito, eu é que fui discriminado, tal o nível de intolerância dos comentários, que editei, esses sim, verdadeiramente insultuosos". Diz que no comentário "apenas quis pôr em equação, e penso que consegui, dois pontos: a amplificação mediática de uma competição sem valor competitivo e a hipocrisia que existe durante mais de 3 anos em relação aos atletas deficientes". Quando ao CD de ao Estatuto de Jornalistas, reconhece: "Existem. Portanto, temos de respeitá-los". Eugénio Queirós confirma que o jornal "Record" fez a cobertura noticiosa dos Jogos Paraolímpicos. Afirma não estar "em desacordo com essa opção editorial nem tenho que estar pois sou um simples redactor e quando não concordar com as opções editoriais do meu jornal posso sempre tentar trabalhar noutro lado".
IV. Análise
A resposta de EQ expressa uma posição de princípio. Os Jogos Paraolímpicos são uma competição sem valor competitivo, só justificada por hipocrisia da sociedade.
E induz duas convicções pessoais: a legimitidade de usar ousadia expressiva para provocar a discussão; e a possibilidade de recurso à blogosfera pela permissão de "outras liberdades", as qusi se presume que seja por comparação com os meios de comunicação social e por os blogs serem um campo sem regulação.
Embora admita ter pisado os "limites" da liberdade de expressão, enjeita responsabilidades pelas palavras e opiniões produzidas. Pelo contrário, deduz a pertinência da sua iniciativa por ter alegadamente gerado uma clivagem de opiniões e ter suscitado reacções e comentários sobre ele próprio, alguns deles intolerantes e outros "verdadeira insultuosos". Rejeita também ter usado um tratamento discriminatório, o qual readica nas convicções pessoais que manifesta quanto às prorrogsativas de cidadãos portadores de deficiência e quanto à sua concepção sobre os Jogos Olímpicos.
Vale a pena citar por oposição àquele que parece ser o entendimento de Eugénio Queirós, dois exemplos de ideal olímpico. Um deles, o do atleta olímpico canadiano Cristopher Jarvis para quem "o verdadeiro espírito olímpico não é ganhar uma medalha de ouro, mas superar os seus próprios limites". O outro exemplo salienta que recordar o espírito olímpico é "aderir a uma aspiração de harmonia, cultura e paz universais, numa permanente busca da concretização de uma utopia, na crença na capacidade humana de construir o ideal". Este último é da autoria de Francisco de Oliveira, que assinou o prefácio e coordenou o livro "O Espírito Olímpico no novo milénio", uma colectânea de contributos de investigadores de várias universidades portuguesas e estrangeiras editada pela Imprensa da Universidade de Coimbra. Na sua resposta ao CD, EQ não responde, explicitamente, se se considera desvinculado de cumprir princípios éticos e deontológicos, quando emite opiniões editadas num blog. Todavia, as razões que aduz sobre as características da blogosfera conduzem à dedução de que aí são permitidas "outras liberdades".
IV. Conclusões
As concepções implícitas nas opiniões expressas por EQ no seu cometnário e na resposta a este CD fere valores éticos gerais e ofendem princípios de cidadania. EQ fez notar, na sua resposta, que a interpelação do CD considerou a prioria que aludiu aos jogos Paraolímpicos num tom "discriminatório e insultuoso". A posteriori, a consideração foi confirmada.
EQ tem uma convicção e recorreu aos meios utilizados para justificar um fim último. Uma ética de responsabilidade pressupõe que o jornalista avalie sempre as consequências que os seus actos provocam nos visados. Pressupõe que o jornalista não descarte responsabilidades, pretendendo conferir pertinência ao acto por te gerado reacções. Apesar das suas opiniões terem sido expressas num blog, não fica desobrigado de deveres deontológicos da profissão. Não deveria sequer considerar-se desobrigado de preservar o bom-nome profissional, que deve constituir um pré-requisito ético do jornalismo. EQ assume que ultrapassamos (usando um plural majestático dúbio) muitas vezes as fronteiras da liberdade de expressão como se isso fosse uma contingência natural. Ora, as violações não se naturalizam pelo hábido de proceder erradamente
O CD do SJ considera que a atitude de EQ merece reparo e é eticamente reprovável.
Considera ainda que o jornalista deve apresentar desculpas aos ofendidos, no blog "Bola na Área".
Assina o relator, Orlando César, presidente do CD dos Jornalista e ex-jornalista de "O Diário", num acórdão aprovado por unanimidade no dia 1 de Outubro de 2008.