APITO DOURADO - pausa para reflexão


O meu amigo e compadre José Leirós - cuja carreira como árbitro foi amputada pelo sistema - lavra num erro comum quando se fala no Apito Dourado. A questão é esta: porque razão só se apitou para Norte? Para o Gondomar, para o FC Porto, para o Boavista? Ok, também lá está o Leiria... Vou tentar dar o meu melhor na explicação:

1. O Apito Dourado começou com uma denúncia do árbitro Rui Mendes, que teve uma passagem fugaz pela 1.ª categoria. Como lá chegou é outra história. O que aconteceu foi que essa denúncia foi corroborada por Pimenta Machado - outro que o sistema rejeitou - e teve de ser encaminhada também pela Liga para o DIAP do Porto. Passaram-se alguns meses até chegar a Gondomar porque Mendes falava num jogo do Gondomar SC que foi convidado a apitar por Valentim e José Luís Oliveira. O jogo não terá corrido muito bem...tal como a época do árbitro do Marco de Canaveses, irmão de Gil Mendes, o "denunciante" de Ferreira Torres...

2. O procurador Carlos Teixeira, em Gondomar, viu ali matéria para investigação e pôs a PJ no terreno, ainda na época desportiva de 2002/2003, já no final. A PJ começou a escutar José Luís Oliveira e Valentim Loureiro. Pinto de Sousa e Pinto da Costa foram os fregueses que se seguiram. Teixeira, com a ajuda da juíza de instrução Ana Cláudia Nogueira, mandou a investigação avançar.

3. Pergunta: então porque é que não se determinaram escutas a dirigentes sulistas? Simplesmente porque ou falavam pouco com Pinto de Sousa e Valentim, figuras centrais do futebol de então, ou não falavam mesmo. Como disse no tribunal de Gondomar o inspector Casimiro Simões, "a investigação é como a água do rio, tem de seguir o seu caminho". Para que um telefone seja colocado sob escuta tem de haver uma razão que o justifique. Ou seja, uma conversa indiciadora de comportamentos incorrectos e puníveis do ponto de vista criminal. Tanto o procurador como a juíza, bem assim como os inspectores da PJ, fizeram uma avaliação e "apertaram" a seguir os alvos potenciais.

4. O povo vê muitas séries, muito CSI, e deve pensar que a nossa PJ tem meios especiais. Não é verdade. Para além de ter muita sarna para se coçar, a PJ luta muitas vezes com graves problemas operacionais que, aliás, se reflectem nesta investigação, onde se podia ter ido mais longe em diligências no terreno. Só não se foi porque o poder central não quer dotar a PJ dos meios essenciais.

5. O Gondomar SC era o objectivo principal. A I Liga entrou pela porta dos fundos. Talvez tivesse sido uma entrada um pouco à má fila mas foi essa a opção, mesmo correndo-se o risco de fazer desabar toda a investigação. Ou seja, a PJ seguiu a água do rio mas reparou que estava apenas num afluente. O grande rio estava um pouco mais à frente, cheio de meandros.

6. Reparem neste pormenor. A 20 de Abril de 2004, o país acorda com a notícia da prisão de Valentim. É a "gente do Gondomar" que se revela. Passaram quase 8 meses até a bomba estourar, com a notícia da detenção (falhada) de Pinto da Costa. Porque razão não fui tudo na mesma enxurrada? Bem, quer-me parecer que a PJ esperava pescar de arrasto depois de 20 de Abril de 2004...

7. As escutas existem, os factos são plausíveis, o testemunho de Carolina é forte (embora discutível) e as explicações para os acontecimentos são risíveis.


Aconteça o que acontecer, o Apito Dourado fez história. Marcou uma fronteira. Se o que está para lá é o deserto ou a floresta, ninguém sabe. Pior não poderá ser certamente.