O ADEUS DO BICHO (versão integral)

Na Casa de Santiago, em Leça da Palmeira, num dia de chuva mas ainda sem os rigores do Inverno, e dois dias depois de completar 35 anos, Jorge Costa anunciou oficialmente o fim da sua longa e profícua carreira de jogador de futebol. O jogador escolheu este cenário - um palacete do final do século XIX transformado (e bem) em museu pela Câmara Municipal de Matosinhos - como tributo à terra que o acolheu e na certeza, como disse, de que os jornalistas não se perderiam no caminho. Com a excepção da equipa TVI, de facto não se perderam e quem quis até pôde apreciar as pinturas de António Carneiro e Augusto Gomes, antes de ouvir Jorge Costa despedir-se com emoção mas sem choradinhos. Para além dos jornalistas, da mulher, dos funcionários do museu e de alguns amigos, Jorge Costa contou com a presença da dona Dorlinda Portista e com a de 2 elementos da claque Colectivo Ultras 95, que lhe ofeceram um cachecol. E confirmou a sua disponibilidade para um dia ser presidente do FC Porto. Jorge Costa tem 35 anos, é ainda um jovem e o seu passado legitima esta pré-candidatura a um cargo que Pinto da Costa (quase 69 anos) ocupará enquanto tiver forças e lucidez para tal. Fernando Gomes e António Oliveira que se cuidem...
Foi assim numa manhã de chuva...

«Como devem calcular, venho anunciar oficialmente o final da minha carreira como jogador profissional de futebol, uma carreira da qual me orgulho bastante e que foi conseguida através de muito espírito de sacrifício, de muita dedicação mas acima de tudo com muito prazer. Carreira que não teria sido possível sem a ajuda de várias pessoas. Começo por agradecer ao clubes e à selecção nacional, a todos os dirigentes com quem trabalhei, aos meus colegas de profissão, praticamente a todos os treinadores, aos departamentos médicos de todos os clubes e gostava de salientar o Rodolfo Moura, que foi uma pessoa que me ajudou e que sofreu comigo, aos adeptos do futebol e em particular aos do FC Porto, a todos os profissionais da Comunicação Social – e permitam-me destacar o Carlos Pereira Santos -, a 3 pessoas que apareceram na minha vida numa altura decisiva – o sr. Amadeu Paixão, o sr. Fernando Almeida e a dona Gracinda dos Anjos -, aos meus pais, aos meus irmãos, cunhados, aos meus filhos e, por fim, mas não menos importante, a uma pessoa que sempre esteve ao meu lado principalmente nos momentos menos positivos –a minha mulher, Isabel.
(quem são os treinadores que ficam de fora?)
Vocês sabem quem são os treinadores que não me deixaram saudades, não gostava de falar das coisas más mas sim das boas... Tenho uma carreira da qual me orgulho bastante. Os melhores momentos? Provavelmente o meu primeiro jogo pelo FC Porto, os títulos que consegui e acima de tudo a vida excelente que o futebol me proporcionou. A brincar costumo dizer, e é verdade, que agora tenho a ocupação mais nobre que há no mundo, algo que nunca consegui fazer a 100 por cento: ser pai. Hoje consigo levar os meus filhos à escola e acompanhá-los nas suas actividades. Mas é evidente que o futebol é para mim uma paixão e sempre será. Para a semana vou começar o curso de treinadores de II nível, qualquer curso que achar que seja importante irei tirá-lo, quero sobretudo aprender, evoluir...pois tenho a certeza que um dia mais tarde irei voltar ao futebol. O FC Porto é e será sempre o clube do meu coração e será, por isso, sempre a minha prioridade. Posso orgulhar-me de acabar a minha carreira e de manter muitas pessoas ligadas ao futebol e que considero amigos.
(podia jogar mais tempo?)
Estamos já em Outubro. Não foi uma decisão tomada no dia e fácil. Sempre mantive a esperança de poder voltar a fazer aquilo de que mais gosto. Acima de tudo por razões pessoais, acho que foi a melhor solução.
(não terminou no FC Porto...)
Fica um sabor amargo. Tinha anunciado que o ano passado seria a minha última época, as coisas não correram como eu esperava e essa será uma mágoa que ficará sempre dentro de mim.
(Mourinho)
José Mourinho e o prof. Carlos Queiroz foram os treinadores que mais me marcaram e que me ajudaram a evoluir. Felizmente, tive uma carreira longa e sempre a alto nível. Com todos aprendi algo mesmo coisas que sei que não serão para repetir no futuro se for treinador. O facto de acabar a carreira agora não quer dizer que não tivesse condições para continuar, até porque tinha mais 1 ano de contrato com o Standard. Preferi acabar e acho que acabei de uma forma digna.
(e a homenagem do FC Porto?)

Joguei cerca de 20 anos no FC Porto, fi-lo de alma e coração e nunca pensei sequer que pudesse vir a fazê-lo noutro lado qualquer e neste momento sinto-me feliz. Tenho aqui um cachecol do Colectivo que me homenageou esta semana no jogo com o Marítimo, ando na rua de cabeça erguida, sei que todas as pessoas gostam de mim e reconhecem o meu trabalho feito no FC Porto. E quando chego a casa deparo com uma família fantástica e isso para mim é o mais importante. Continuo a pensar que seria melhor para mim uma carreira como dirigente mas é o que penso hoje. Tudo o que possa dizer hoje é muito subjectivo. Há 15 dias tive um convite de Itália e foi aí que decidi que era preferível acabar do que eu própria me estar a enganar. Tenho 2 filhos, um 3.º vem a caminho...e prefiro nesta fase da minha vida estar junto da minha família. É mais difícil estar aqui a despedir-me do que jogar. Em toda a minha vida sempre fui uma pessoa de ideias fixas mas sempre ponderei tudo. Desde Maio até hoje, tive muito tempo para pensar, mas é e está a ser difícil. Até posso continuar ligado ao futebol mas do que eu gosto mesmo é jogar futebol.
(presidente do FC Porto?)
Neste preciso momento não, não quer dizer que um dia mais tarde não seja possível. Não sei o dia de amanhã, espero e tenho o sonho de continuar ligado ao futebol e se achar que tenho capacidade para isso...sim senhor. Por exemplo, com Baía ao meu lado, ele é um símbolo do FC Porto e um jogador muito acarinhado pela massa associativa.

(já voltou ao Dragão?)
Já fui ver dois jogos. Tenho prazer em ir ao estádio e irei sempre que a minha vida pessoal mo permitir. Continuo a gostar de futebol e do FC Porto.
(mística ou a falta dela no balneário)
É evidente, não vale a pena estar a esconder. Hoje o FC Porto tem uma boa equipa, uma equipa forte, com valor, ganha os jogos porque é melhor do que os outros, mas em termos de mística tem vindo a perder um pouco. É simples. A mística é passada de jogador para jogador com jogadores que sentem o clube e quando esses jogadores saem, essa mística não é transmitida como devia ser.
(capitão)
É liderar o balneário, fazer a ligação do balneário com a direcção e, num clube com a grandeza do FCPorto, tem uma importância bastante acentuada.
(Pinto da Costa)
Nunca tive qualquer problema com o presidente do FC Porto mas saio acima de tudo de consciência tranquila. Tenho a certeza que o presidente percebeu bem o porquê de eu querer sair. Saí para me sentir útil. Durante 6 meses tudo fiz para tentar mudar as ideias do treinador, não era uma pessoa feliz, não fui convocado uma única vez. Portanto, não gostava de acabar a minha carreira sentindo que estava no FC Porto quase por favor e fiz ver isso ao presidente e ele percebeu. Se calhar fui um pouco egoísta, mas queria acabar a carreira de uma forma digna e a jogar.
(Vítor Baía)
São situações diferentes. O Vítor Baía não joga, mas é convocado, provavelmente irá fazer alguns jogos esta época. A minha situação era diferente. Eu não jogava, não era convocado, não ouvia sequer as palestras do treinador no balneário, portanto, sentia-me uma pessoa a mais dentro do grupo. Se pudesse voltar atrás, tinha feito tudo o que fiz. Foi para o meu bem e para o bem do clube. Tenho muito orgulho em tudo o que fiz. O que espero é que o FC Porto tenha muito sucesso, que vão mais longe possível na LC, que sejam campeões nacionais e que tenham muita sorte.
(selecção)
Sempre servi a selecção com muito orgulho e prazer, sempre dei o máximo, neste momento a selecção nacional é um orgulho para todos os portugueses e nãos era este resultado menos positivo na Polónia que irá mudar a ideia que temos da selecção. Tenho muita confiança em todos os jogadores, no treinador, nas pessoas que estão à frente da Federação e tenho a certeza absoluta que irão continuar a dar-nos muitas alegrias.
(companheiros de luta)
Tive o prazer de jogar com grandes jogadores: Romário, Henry...tenho uma boa lista de avançados. Quanto aos jogadores com quem fiz dupla, mas se calhar por ter sido a primeira e também na selecção, foi com o Fernando Couto. Mas há outros: Jorge Andrade, Aloísio, Ricardo Carvalho...
(despedida na Casa de Santiago porque...)
É um espaço agradável, numa terra que me adoptou e sabia que vocês ao virem para aqui nãos e perdiam...

O humor de O Bicho no fim de uma despedida em grande.