O RAPAQUECA

Acordo, dou o pequeno almoço à miúda, ligo a net e sou estupidamenta surpreendido com a notícia da morte de Jorge Perestrelo. Não foi a morte do melhor relatador desportivo dos últimos 30 anos que me surpreendeu - foi a morte do amigo. Tive o privilégio de acompanhar o Jorge em algumas viagens ao estrangeiro e de o assistir nos comentários. Recordo particulamente aquele Bayer Levkerkusen-Benfica, não posso esquecer ainda o Checoslováquia-Portugal e também tenho grandes memórias de um Barcelona-FCPorto que deu goleada para os culés. Mas de todos o mais inesquecível foi o segundo pois o Jorge deixou-me cinco minutos a falar sozinho e tive de ser eu a fechar a emissão pois ele recusou-se a continuar a relatar o que considerou uma vergonha, isto é, Portugal a jogar com mais um e a perder, perdendo também o apuramento para um Mundial. O Jorge era assim: único, de extremos, maníaco. Um dia, em Liverpool, vi-o comprar dois casos de pele (era uma das suas taras) cuja única diferença era o facto de estarem ao lado um do outro. Recordo também aqueles jogos vespertinos que ele relatava nos primórdios da SIC (a estação que o chutou porque os novos turcos são incapazes de perceber que o talento não aparece só porque se anda a cheirar o rabo aos políticos e a limpar o respectivo), com música brasileira e comentários dos amigos (em cujo lote fazia o favor de me incluir). O ripa na rapaqueca não deixa saudades - deixa um enorme buraco. E uma certeza: onde quer que esteja, a "vida" vai passar a ser muito mais animada.
Quando ripar numa rapaqueca - ou seja, quando pedir um rissol para acompanhar um sumol - vou-me lembrar sempre de ti, camarada!