JOÃO LOUREIRO - 9 anos de presidência*


- Segunda-feira cumpriram-se oito anos desde que tomou posse como presidente do Boavista. Neste entretanto, foi um vez campeão, a equipa esteve duas vezes na Liga dos Campeões, ganhou uma Taça de Portugal, atingiu as meias-finais da Taça UEFA, fez dois segundos lugares. É muito mais do que esperava?
JOÃO LOUREIRO - Há oitos não imaginava que ficasse tanto tempo como presidente do Boavista e não tinha a ideia de que podia ter tido todo este sucesso que talvez por felicidade acabei por ter. Em termos patrimoniais, tinha a ideia que era importante construir uma novo estádio mas também não me passava pela cabeça que o estádio tivesse esta dimensão que nos orgulha a todos. Resumindo, o que se passou excedeu as expectativas que eu tinha muito embora também seja verdade que sou ambicioso. Estivemos duas vezes na Liga dos Campeões e conseguimos diversos títulos de campeão em todos os escalões.
- Alguma coisa ficou pelo caminho? Por exemplo, alguma modalidade amadora?
JL - Nenhuma! Aliás, o meu pai também nunca extinguiu qualquer modalidade. E temos mais uma: o karaté. Sendo certo que hoje temos bastantes dificuldades em suportar as modalidades devido ao processo de construção do Estádio do Bessa século XXI. Temos esperança de podermos construir o nosso pavilhão.
- O Boavista quebrou o "status quo" do futebol português ao ganhar um título mas não sentiu que especialmente a partir desse momento passou a ser uma espécie de pedra no sapato de muita gente?
JL - (sorrindo) Bom, se o diz... Em primeiro lugar, é um facto indesmentível. Terá um pouco a ver com uma herança do salazarismo, que habituou os portugueses a uma certa imobilidade social. Havia oligarquias. E no âmbito desportivo havia os chamados três grandes, sendo que os dois de Lisboa era 'mais grandes'. Essa mentalidade, essa "grandite", o FC Porto conseguiu de certa forma ultrapassá-la mas não deixa de ser um clube grande na mesma. Fomos campeões 25/26 anos depois do 25 de Abril e não havia uma ideia totalmente democrática do fenómeno desportivo em Portugal. Basta ler os jornais. Basta ver os programas de televisão com comentadores dos três grandes e nem sequer há um que defesa todos os outros!
- Há uma ideia que se difundiu: só os grandes é que vendem...
- Sem dúvida também. Mas o Boavista não é apenas um "outsider" é também uma instituição que contradiz a normalidade. Quando fomos campeões pensei que alguma coisa ia mudar no sentido de o exemplo do Boavista ser acarinhado. E o que mudou foi rigorosamente no sentido contrário: todas as forças, mediáticas, sociais e políticas (pois o Boavista foi descriminado no Euro 2004 e não me calarei), massacraram o Boavista porque fugia à regra. Era a tal herança do salazarismo. Fizemos qual o milagre da multiplicação dos pães mas consideraram-nos inconvenientes pois estariamos a demonstrar falhas alheias. Pensei que os clubes da nossa dimensão iriam acarinhar este nosso sucesso no sentido de sentirem que também o podiam cosneguir. Mas pelo menos os dirigentes de então dos clubes desse nível escolheram outra via: porventura por alguma inveja, atacaram o Boavista. Passaram-se quatro anos e felizmente o dirigismo português está a mudar. Há gente que veio para o futebol que não poderei dizer que são meus seguidores, pois têm personalidade própria, mas que estão a perceber que é possível...
- Está a falar de quem?
JL - Estou a falar, por exemplo, do presidente do Sporting de Braga e do actual presidente do Vitória de Guimarães. Mas há mais. São pessoas que percebem que o Boavista ao invés de ser um inimigo pode ser um bom exemplo. E esta época está a comprovar isso.
- Curiosamente, o Boavista foi campeão quando fez a transição para SAD. Esta mudança terá tido alguma influência nos resultados conseguidos?
JL - Houve uma estratégia e um substrato económico de suporte mas o nosso objectivo não era sermos campeões mas andar junto dos grandes. Só a um pouco mais do meio da época começámos a interiorizar que podíamos lutar pelo título. Não houve "bluff".
- E quer ir até onde?
JL - Sei que nos querem empurrar para o tal desiderato do título mas com toda a sinceridade digo - e se calhar este último jogo desmente-me um pouco - que temos uma base de trabalho muito boa para com mais algum tempo em cima podermos, dentro de uma/duas épocas, ter outro tipo de ambições. Mas não podemos pôr o carro à frente dos bóis pois corremos o risco de matar esta equipa. E eu quero que esta equipa continue a ganhar músculo! Penso que esta época já vamos ter alegrias... Recordo o que está acontecer agora com o que aconteceu quando contratámos pela primeira vez o Jaime Pacheco. Portanto, esta época vamos tentar recolocar o Boavista nas competições europeias.
- Este ano há três lugares na Liga dos Campeões...
JL - Bom, é uma possibilidade mas não é um objectivo. Queremos que os jogos europeus regressem ao nosso estádio.
- Como projecta o Boavista do futuro?
JL - Sei que às vezes sou criticado por não estar muito presente mas a verdade é que tenho feito milhares de quilómetros por avião tentando encontrar - e é um trabalho que está a dar os seus frutos - parceiros estratégicos internacionais para consolidar todo o nosso projecto. Há um projecto de aumento de capital da SAD já aprovado e esse será um primeiro passo. Paralelamente, estou a desenvolver contactos no sentido de podermos ter as tais parcerias no sentido de podermos beneficiar de bases e de investimentos que possam potenciar desportivamente a instituição Boavista. Somos hoje um clube com um excelente estádio, com uma escola de formação que se não for a melhor em Portugal estará ao nível das melhores, vai estar equilibradíssimo depois do aumento de capital, portanto, temos como sociedade anónima com grande potencial para servirmos como local de formação mas a alto nível para podermos transferir jogadores ou sucesso ou para podermos aceder a jogadores que normalmente não teríamos possibilidades de ter, ficando com parte dos seus direitos desportivos.
- Não está a falar de russos?
JL - Não. As minhas viagens vão mais no sentido de Londres ou de Paris. Penso que estamos a alguns meses de conseguir colocar o Boavista no patamar que sempre desejei. Sabemos que a nossa realidade social não tem comparação com os grandes muito embora sejamos de longe o clube português que mais cresceu nos últimos anos. Temos hoje cerca de 23 mil sócios efectivos. Há oito anos tínhamos 8000 sócios. Mesmo assim, tenho a noção de que estamos ainda muito longe dos chamados grandes embora tenhamos solidificado, de forma sustentada, o estatuto de quarto clube nacional. Para além disso, para além dos grandes e a par do Vitória de Guimarães e do Belenenses somos donos do nosso património. Este estádio é nosso, não é municipal! E a grandeza das instituições também tem a ver com o património de cada um.
- Quando é que tudo poderá ficar concretizado?
JL - Em cada 15 dias passo 3/4 dias fora de Portugal só para trabalhar para o Boavista. Haverá passos até ao início da próxima época mas até ao fim deste ano teremos as coisas já bastante mais avançadas. Mas que ninguém espera alguma coisa de espectacular como às vezes se anuncia nos jornais e que depois são balões que rebentam.
- E em quanto está avaliado o património do Boavista?
JL - Cerca de 100 milhões de euros, incluindo a nossa participação na SAD, é quanto vale a nossa instituição. Tendo um passivo que resulta do empréstimo a três bancos para a construção do estádio, passivo que oscila entre os 15 e os 20 milhões de euros. Portanto, a nossa situação líquida é fabulosa.
- Mas pontualmente o clube tem dificuldades de tesouraria, ou não?
JL - É verdade. Não há salários em atraso, poderá haver, sim, subsídios em atraso na área não profissional. E às vezes há atrasos nos salários mas nada do que tentam fazer parecer. Mas tudo resulta do tal processo de necessidade de acabar o Estádio do Bessa, pois fomos nós que o pagámos enquanto outros nada pagaram.
- Então o Boavista fez um mau negócio no Euro 2004...
JL - Não foi um mau negócio, fomos apenas vítimas da tal descriminação resultante do nosso negócio. Ou se calhar porque as pessoas também têm a percepção que conseguimos com os nossos meios resolver os nossos problemas. O que não é justo.
- Mais uma vez o seu nome surge como uma das possíveis pessoas a arrolar no processo "Apito Dourado"...
JL - É um processo judicial e não quero fazer muitos comentários. Em Novembro disponibilizei-me para prestar declarações nesse processo junto dos vários agentes da justiça e por escrito. Até ao momento não fui notificado e fico surpreendido com o que tenho lido. Em termos genéricos e até porque sou advogado e tenho alguma noção do que deve ser a justiça só digo uma coisa: todos estão adstritos à lei, ninguém está acima da lei, mas isto também é válido para os agentes da justiça. E não digo mais nada.
- A Liga está nivelada por cima ou por baixo?
JL - Vistas as coisas pelo lado dos grandes, um pouco por baixo. Na perspectiva que considero mais saudável, por cima. Há várias boas equipas: Braga, Marítimo, Setúbal, Belenenses, Leiria pontualmente, Gil Vicente, Guimarães ultimamente... Ao nível das equipas médias isto está nivelado claramente por cima.
- Como analisa a aliança Sporting-Benfica?
JL - Não quero comentar. A nossa estratégia passa por um bom relacionamento com todos, inclusivé com Sporting e Benfica e como o que ia dizer se calhar não era muito positivo, prefiro abster-me de responder a essa pergunta.
- Como estão as relações com o FC Porto?
JL - São muitos boas. Houve um conflito aberto mas sempre disse que gostaria de ter boas relações com o FC Porto. A forma como nos aproximámos foi correcta, com passos seguros.

* esta foi uma entrevista que me deu João Loureiro há um ano. Está actual. Os problemas levantados mantêm-se, a ambição também, a coerência idem e o aumento de capital está por acontecer. Amanhã, completam-se 9 anos de presidência João 'Ban' Loureiro. Quase uma década na qual se confirmou a velha máxima 'tal pai, tal filho'.