O CRIME QUE PODE TIRAR VALENTIM DE GONDOMAR


Em finais de 2003, Valentim Loureiro exercia o cargo de presidente da Câmara Municipal de Gondomar (ponto 3.A)a. da matéria de facto provada) – ou seja, era (e é) titular de cargo político, segundo o que resulta da alínea i) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, em conjugação com o disposto do nº 2 do artigo 2º e o nº 1 do artigo 56º, ambos da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro (não alterados pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro).

Conduziu (pelo menos a partir de 23 de Novembro de 2003 – cfr pontos 3.C)a. a 3.C)m. da matéria de facto provada) um procedimento administrativo destinado a contratar com particular a prestação de determinado serviço (pontos 3.B)a. a 3.B)i. da matéria de facto provada) – ou seja, sem qualquer margem para dúvida, actuou no âmbito de processo destinado a determinar entidade que iria contratar com o ente que representava (o Município de Gondomar), o que fez no exercício das funções de presidente da câmara para que havia sido eleito (coordenação da actividade da Câmara Municipal de Gondomar, e adjudicação de serviços a particulares – alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 68º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e alínea a) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho), dando instruções, estabelecendo contactos, participando em negociações.

No âmbito desse procedimento actuou contra direito ?
Estamos perante processo de formação de contrato público de fornecimento de serviço, ao qual seria aplicável o regime estabelecido no Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho (artigos 1º e 2º deste diploma).
Esse processo inicialmente desrespeitou diversas imposições legais.
Desde logo, nada se fixou quanto ao valor base nem ao valor limite do fornecimento a concurso (ponto 3.B)o. da matéria de facto provada), o que, sabendo-se como relevava na definição do tipo de procedimento a adoptar (artigos 80º e 81º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho), tornava inviável o controlo da sua escolha por referência ao princípio consagrado no artigo 7º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho (e sendo certo que a aplicabilidade do artigo 86º deste diploma se afigura manifestamente de afastar).
Por outro lado, não foi indicado o critério adjudicatório (ponto 3.B)o. da matéria de facto provada), o que naturalmente desrespeitava (e independentemente de qual o concreto tipo de procedimento que a autarquia podia escolher) o nº 1 do artigo 8º e o nº 2 do artigo 55º, ambos do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho.
É certo que o serviço a prestar em parte possuía uma natureza que não permitiria a definição antecipada das especificações do contrato (designadamente porque, quanto ao projecto educativo a que se referem os pontos 3.B)g., 3.B)h. e 3.B)i. da matéria de facto provada, foi pedida aos concorrentes a própria concepção do projecto educativo a implementar), o que abria as portas (embora se mantivesse a deficiência da falta de indicação do valor base e do valor limite do fornecimento) ao recurso ao ajuste directo como tipo de procedimento a adoptar (alínea b) do nº 3 do artigo 81º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho).
Mas, sendo certo que os termos do procedimento administrativo (recorde-se que a decisão de adjudicação é pela própria lei definida como acto administrativo – artigo 54º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho) estão sujeitos a requisitos que na esmagadora maioria das situações não se compadecem com a forma não escrita (artigos 74º e ss do Código do Procedimento Administrativo, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro), a verdade é que do procedimento em causa nada sequer consta quanto à escolha do tipo de procedimento e seus fundamentos (nº 1 do artigo 79º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho).
Não parece haver dúvida que, pelo menos até ao telefonema do arguido António Ferreira (23 de Novembro de 2003), o arguido Valentim dos Santos de Loureiro desconhecia os concretos trâmites que estava a seguir o procedimento em causa (cfr ponto 4.3.c. da matéria de facto provada).
Sucede apenas que, mesmo dando de barato, no caso, a possibilidade de recurso ao ajuste directo como forma de contratação (artigos 161º a 163º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho), com todo o informalismo que permite (designadamente na fase negocial – artigo 162º), a verdade é que, tomada que estava a decisão de adjudicação do serviço a um dos concorrentes (a “Publigondomar - Publicações Periódicas, Lda” – cfr ponto 3.B)s. da matéria de facto provada), o arguido Valentim dos Santos de Loureiro altera-a na sequência de um telefonema do arguido António Ferreira (pontos 3.C)a. e 3.C)i. da matéria de facto provada).
E fê-lo porque pretendeu a adjudicação daquele serviço à empresa do filho do António Ferreira (pontos 3.C)e. e 3.D)e. da matéria de facto provada), por esse motivo negociando com o arguido José António Horta Ferreira e permitindo-lhe a apresentação de novo orçamento (ponto 3.C)d. da matéria de facto provada).
Ora, na formação dos contratos públicos devem proporcionar-se iguais condições de acesso e de participação dos interessados em contratar, sendo proibida qualquer discriminação entre estes (nº 1 e 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 197/99, de 08 de Junho) – esta regra manifestamente constitui concretização do princípio geral de actuação imparcial da administração (artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo), isto é, do dever geral de não tomar a defesa dos interesses de um particular que, entre outros, intervém no procedimento de satisfação de um interesse público.
E foi este o dever de actuação que o arguido Valentim dos Santos de Loureiro violou, ao rever a decisão que anteriormente havia tomado, claramente aproveitando a circunstância de inicialmente não ter sido fixado critério adjudicatório para atribuir o fornecimento à “Globaldesign” - José António Horta Ferreira, Lda”.
Não se esquece que o início do procedimento em causa (e designadamente as deficiências iniciais que lhe foram apontadas) não eram originariamente do conhecimento do arguido Valentim dos Santos de Loureiro (ponto 4.3.c. da matéria de facto provada) – mas naturalmente passaram a sê-lo a partir de 24 de Novembro de 2003 (pontos 3.C)b. e 3.C)c. da matéria de facto provada), e entre elas a falta de indicação do critério adjudicatório, o que lhe permitiu sem dificuldade de maior alterar o anteriormente decidido.
Afirma-se, pois, que o arguido arguido Valentim dos Santos de Loureiro actuou «contra-legem» (na condução e decisão de um processo) ao alterar a decisão que inicialmente havia tomado no âmbito de procedimento administrativo apenas porque recebeu o telefonema de um seu amigo, e porque quis entregar ao filho deste a prestação do serviço a que respeitava o fornecimento.

O arguido Valentim dos Santos de Loureiro actuou intencionalmente (dolo directo), com o propósito de lograr a adjudicação do serviço à sociedade “Globaldesign” - José António Horta Ferreira, Lda” (ponto 3.D)e. da matéria de facto provada).
Verificam-se todos os requisitos típicos.
Deve ser condenado pela prática de um crime de prevaricação.