FRUTA & CHOCOLATE


Apalpar a fruta é coisa que as mercearias não recomendam. Uma papaia madura dispensa apalpadela. E o pior é quando ela já está demasiado tocada. Na tocaia da noite as mancebas mundanárias confundem-se com (a)pitos. As conversas são como as cerejas. E andam de boca em boca. Quando se gosta de fruta – e a fruta é de se comer – não é preciso escolher o cabaz. Pega-se aqui, pega-se acolá e o céu até pode não estar estrelado. Só os ingénuos acham que as pêgas são amadoras. A fruta, escachada, come-se em qualquer lado. Sobre a relva, natural ou artificial. Com paixão ou sem ela. Nos hotéis, para os bons clientes, até é normal e um sinal de cortesia encontrar um cesto de fruta nas respectivas suites. Há quem não dispense morangos com açúcar.A ironia máxima é que, quando está de ananases, como dizia o Eça, derretem os untos. Colhe-se a fruta, tira-se-lhe a casca proboscídea nessa peregrinação de Compostela. Dá-se uma dentada na polpa da manga, duas, três, dez, vinte, cinquenta, mil. A fruta é o afrodisíaco que alimenta a gula. Engula- -se, pois. Cuspa-se a seguir. A polpa às vezes sabe a caroço. A alteração dos sabores tem muito a ver com as mudanças do tempo. Até os ambientalistas sabem disso. Aliás, o que está a retardar a decisão do Governo e a mitigar as soluções ‘Ota’ ou ‘Alcochete’ é a certificação de que, a bem do turismo, a fruta não seja mais pisada. Já bastam as queixas das uvas. Pisadas, esmagadas, retardadas no lagar – não confundir com hangar – da perdição. Tirem as gaivotas deste filme (o Nicolau Breyner até agradece) porque a culpa é da fruta, que nunca se deve apalpar. Logo, o assunto deveria ser tratado na mercearia e não nos tribunais. Pela fruta morre o peixe. As sereias também falam no campanário do morgadio. Ou pensavam que elas só davam (a)o rabo?


Rui Santos, hoje, no "Correio da Manhã"