Rapidinhas I

Tinha as malas arrumadas no quarto 506 do hotel da esquina e um cheque em cima da mesa. A táctica…4x4x2, com um losango no meio-campo. Estava rouco de gritar e não tinha bateria no telemóvel. Vinte anos de carreira e tudo para isto, ou seja, para nada. Uma natureza morta decorava as paredes. Nem de propósito. Hesitou entre identificar-se com a pêra ou a banana. A fruteira, essa, jamais levantaria. Os seus dias estavam contados.
A nave do Universo dera um salto temporal. Saltara uma geração.
A que se seguia era formada por clones de um ser original. Perfeito. Simétrico. Brilhante. Flamejante. Viril e subtil. Faltam adjectivos porque o ser é demasiado substantivo. Dir-se-ia um deus. Um mito. Um dogma, para os que declamam. Um poema, para os que neles acreditam.
Uma geração às vezes não faz a diferença. Tudo depende do contexto – pensou o homem que olhava para a parede e que tinha as malas arrumadas. 50 anos, 14 cidades, sete clubes, 450 entrevistas e o promissor rótulo, há algum tempo arquivado, de “treinador do futuro”.
O futuro já era.
A nave do Universo saltou sem avisar. E o tempo não parou.
Quando o telemóvel tocou, ele atendeu.
- Desculpe, foi engano! – disse logo alguém do outro lado.
- Bem me queria parecer…, suspirou, antes de se fundir com a fruteira, a pêra, as bananas e as maçãs chinesas.