É algo que já salta pelos olhos dentro. A Imprensa desportiva tem vindo a perder mercado. Há várias razões que podem explicar este fenómeno que se regista desde o início do século XXI, quando os dois grandes jornais desportivos andavam na faixa dos 100 mil exemplares de vendas médias diárias, o que é uma marca excelente num país que consome pouco jornais e que quando o faz normalmente é à borla. Os jornais desportivos terão um mercado global na ordem dos 250 mil leitores fiéis e mais quando as épocas aquecem ou quando ocorrem grandes eventos - por exemplo, as vitórias do SLB. Vou tentar "elencar" aquelas que me parecem as razões desta crise:
1. A principal. A obsessão por manchetes em redor do tema Sporting-SLB mesmo quando estas equipas não dão uma para caixa e é o FC Porto que factura. Por outras palavras, o que é notícia do dia ou pode ser notícia do dia seguinte é ultrapassado pela lógica "estes é que vendem", o que origina manchetes ridículas e completamente descredibilizadoras. Uma grande parte da culpa é da possibilidade de hoje se conhecerem rapidamente os resultados das vendas de cada número... Lembro-me de um dia ter uma reunião com um administrador para lhe pedir que me desse os números de vendas de cada edição, para tentar saber que capas tinham mais impacto, e de este positivamente me ter mandado à merda, o que na altura levei a mal mas hoje compreendo perfeitamente. O jornalismo não é uma corrida de 100 metros mas uma maratona...
2. A secundária. Uma submissão envergonhada ao poder dos clubes que transforma os jornais desportivos muitas vezes numa espécie de órgãos oficiais dos clubes, sem que consigam depois o devido retorno com cachas, pois as informações são distribuídas a todas, com a excepção do FC Porto, que privilegia O JOGO, jornal que não meto nestas contas mas que é preciso ter em conta.
3. A terciária. Uma polícia de comunicação autista dos clubes, completamente anorécticos na libertação dos seus jogadores para entrevistas individuais e completamente obcecados por entrevistas colectivas que no dia seguinte saem com sabor a ranço porque entretanto rádios, televisões e sítios na net já contaram tudo.
4. A íntrinseca. Falta de espaço para que os grandes repórteres dos jornais façam a diferença. Sobra muito pouco após o SLB, o SCP e o FCP e estas secções foram entretanto transformadas em quintas onde é difícil lavrar um naco de terra. Poucas entrevistas, pouca investigação, pouco investimento em áreas que geram notícias e interesse: Federação, Liga, árbitros, sindicatos, futebol jovem e mesmo "socialite desportiva". Não consigo entender como é que depois de tanto tempo não houve um só jornal desportivo que apostasse numa mini-redacção em Londres, parece que é mais importante estar na Madeira...
5. A extrínseca. O fenómeno net. Diga-se o que se disser, a informação desportiva é abundante na net, com grande responsabilidade dos sites dos próprios jornais desportivos. A BOLA teve a ideia completamente peregrina de disponibilizar online toda a sua edição papel, o RECORD tem um site dinâmico e o O JOGO também funciona bem com as suas notícias na hora. Depois, temos o Maisfutebol com a excelência a que já nos habituou e muitas vezes bem mais atento ao lado folclório e estatístico do futebol e agora o Sportugal com toda a sua agressividade e um bom painel de comentadores. Para além de todos os outros sites internacionais e dos...blogs, com estes últimas muitas vezes a anteciparem-se aos próprios desportivos, o que é extraordinário, para não lhe chamar outra coisa.
6. A geral. As novas gerações não lêem jornais e desde sempre os jornais desportivos foram muito lidos pelos jovens. Eu, por exemplo, aprendi a ler no MUNDO DESPORTIVO.
7. A acessória. Ou não. Demasiados jovens turcos em posições de chefia, técnicas de liderança coladas a cuspe de livros da secção respectiva da FNAC, demasiado lobismo na formação das equipas e, sobretudo, uma falta gritante de uma referência a que no "meu tempo" chamavámos chefe de redacção e que era o motor das edições e a cara do jornal. A figura do chefe de redacção diluiu-se numa massa pouco consistente de supereditores, editores e subeditores, com todos a atrapalharem-se uns aos outros.