AINDA O APITO...


Como diz um velho ditado judeu, "o Mundo é uma ponte estreita onde se deve caminhar sem medo". O chamado megaprocesso do Apito Dourado foi, e é, para muitos de nós a imagem perfeita dessa ponte estreita. Como será fácil entender, o processo não foi inventado por ninguém. Começou numa investigação aos jogos do Gondomar SC, nas épocas de 2002/2003 e 2003/2004, e, por vontade do procurador Carlos Teixeira, foi alargado ao mundo do nosso principal escalão, a partir do momento em que os telemóveis de Pinto da Costa, João Loureiro, de outros dirigentes e de árbitros foram postos sob escuta. O processo originário já foi julgado e culminou (não se leia terminou porque os recursos ainda estão a correr) com a condenação de 14 dos 21 réus, entre os quais Valentim Loureiro, ex-presidente da Liga e ainda presidente da mesa da assembleia geral da mesma instituição. Foram extraídas 81 certidões, a maior parte delas arquivadas por falta de indícios, e alguns desses processos, como o caso da fruta, terminaram na fase de instrução, como aconteceu também com o processo relativo ao jogo Naval 1º de Maio-Chaves, que envolvia Valentim Loureiro e o árbitro Paulo Baptista e ainda com o processo respeitante ao jogo Nacional da Madeira-Benfica, no qual foram arguidos Pinto da Costa, Rui Alves, Augusto Duarte e António Araújo. Este último processo terminou mesmo no tribunal de Gondomar, onde o árbitro Martins dos Santos e o antigo dirigente do CA da FPF António Henriques, compadre de PC, foram condenados por corrupção desportiva. Está a correr, por outro lado, em Fafe o julgamento de José Luís Oliveira, antigo presidente do Gondomar e único dos 200 arguidos que cumpriu prisão preventiva, e do antigo árbitro Licínio Santos, enquanto no tribunal de Santa Cruz, na Madeira, se espera pelo acórdão que pode condenar António Henriques e Azevedo Duarte (pai de Augusto e ex-membro do CA da FPF). Para breves estão os julgamentos do processo Boavista-Estrela (Valentim, João Loureiro e Jacinto Paixão são arguidos) e os cinco processos centrados na actuação do árbitro Pedro Sanhudo. O mesmo acontece com aquele que será o mais complexo processo de todos: o da viciação das classificações dos árbitros, mandado para julgamento, no Tribunal da Boa-Hora, pelo superjuiz Carlos Alexandre, no qual o principal arguido é José António Pinto de Sousa. Penso que falhei dois ou três casos mas o essencial está aqui.

Com isto não quero provar nada, apenas entendo que será no mínimo forçado dizer-se que o processo Apito Dourado foi uma montanha que pariu um rato.

Não foi. O processo penal é uma etapa complexa que se segue à investigação dos factos. Num país com meios escassos para a investigação e no qual os próprios magistrados são alvo de pressões, não é fácil perceber onde acaba a busca da verdade e da justiça e começa o exagero. Neste processo, como noutros, o risco foi pisado. Desde o início que se percebeu que a magnitude do processo funcionava contra o mesmo. Os resultados estão à vista. As escutas telefónicas, per si, não passam muitas vezes de peças humorísticas e quanto mais não seja revelam um mundo venal. Não é preciso dar exemplos pois estes entranharam-se já no imaginário colectivo, com destaque para a "fruta para dormir" que PC mandou Araújo servir.

A clubite aguda neste caso fez soltar ainda mais as pontas. Para os atingidos, o processo foi sempre uma arma de arremesso e uma campanha negra. Para os outros, foi seguido de palanque, na expectativa de ver atingidos os alvos e de assim se reduzir o potencial do clube que tem dominado o futebol luso desde que Pinto da Costa decidiu ser dirigente desportivo na área do futebol.

Para os jornalistas, foi uma batata quente, sobretudo para os da área específica do futebol. Não apenas por ser uma matéria nova mas sobretudo porque quem pegasse nela corria sempre o risco de se chamuscar. E reparem que não estou a falar de editorialistas em permanente persignação face aos poderes dominante, estou a falar dos cabouqueiros que passaram dias e noites à porta do tribunal de Gondomar e que seguiram inquéritos, instruções e julgamentos. Cumprem-se, no próximo dia 20 de Abril, cinco anos desde que o processo Apito Dourado foi tornado público. Foram cinco anos muitos intensos e inesquecíveis. Que na parte que me toca deram pano para mangas. O material está reunido apenas à espera de algum tempo para ser organizado e quiçá editado.

Quanto às críticas, que encaixo, sobretudo por virem algumas de colegas que aprendi a admirar embora não me reveja na forma porosa como entendem o mundo do futebol e o das paixões clubísticas, é para isso mesmo que aqui estamos sem dever nada a ninguém, com a excepção do crédito hipotecário que temos num banco com sede em Londres e não num qualquer off-shore da Nova Zelândia.