CALISTO E O VIETNAME


[eis a síntese de uma entrevista que fiz recentemente a Henrique Calisto]


- Como foi conquistar a Taça dos Sudeste Asiático?
- Foi fantástico. Há 49 anos que o Vietname não conquistava um troféu desta dimensão. Sendo um país emergente no qual o futebol tem cada vez mais importância, mantendo uma Liga profissional há dez anos, foi um feito significativo. Fomos com batedores até ao hotel, a passo de caracol, e depois não pudemos sair. Era a loucura! Um dos primeiros telefonemas que recebi foi do Vítor Oliveira, o primeiro que fiz, ainda no relvado, foi para a minha mulher. No dia seguinte, fomos todos ao mausoléu do Ho-Chi-Min, só para ver a importância desta conquista também muito simbólica.
- Quanto receberam os jogadores de prémio?
- 25 mil dólares. Mas vão ganhar mais. Um deles, o que marcou o golo, acaba de protagonizar a maior transferência do futebol local, por 500 mil dólares.
- O que falta fazer pelo futebol no Vietname?
- Sobretudo apostar no futebol de formação, cujo campeonato dura dois meses apenas. Ou seja, eles treinam 9 meses e só estão dois em competição.
- Quanto tempo mais vai ficar no Vietname, depois deter trocado Saigão por Hanói?
- Estou lá há 8 anos. Subi o Dong Tam Long Am, fomos campeões nacionais, estou agora na selecção e tenho mais um ano de contrato. Já tive quatro convites de clubes chineses, três de Singapura, um do Qatar, e quatro de clubes portugueses. Mas não estou com vontade de voltar para um país que vive uma espécie de depressão colectiva, com escândalos, polémicas mesmo no futebol. Infelizmente nós, portugueses, não temos consciência do respeito que o nosso futebol tem lá fora. Caso contrário, não diríamos dele o que se diz...
- Mas admite voltar a treinar em Portugal?
- Quando se é treinador nunca se pode dizer que não. Mas pretendo apenas continuar a treinar no estrangeiro, sobretudo na Ásia, onde as pessoas são solidárias e não há salários em atraso. No Vietname uma situação destas é impensável.
- Sei que no Vietname tem havido alguns escândalos ligados ao futebol...
-É verdade. Foram casos de corrupção envolvendo jogadores, um deles o Van Quyn, um grande ponta-de-lança, que esteve cinco anos na cadeia. Ele e outros jogadores da selecção de sub-23 fizeram para ganhar só por 1-0 a uma selecção fraca, feitos com os apostadores. Os vietnamitas são loucos por apostas desportivas. É tudo ilegal mas eles apostam bastante, sobretudo no resultado certo. Agora estão a tentar implantar oficialmente o totobola.
- O futebol é o desporto n.º1?
- Sem dúvida. A seguir temos as artes marciais, o voleibol e o atletismo.
- Quantos jornais desportivos há no Vietname?
- Doze!
- ???
- Mais de metade desses jornais é ocupado com futebol internacional.
- Os árbitros são de qualidade?
- Alguns...estão ainda a evoluir.
- Como é a vida de um jogador profissional?
- Estão permanentemente em estágio. Só saem à 5.ª feira. Para os estrangeiros é um pouco diferente mas raros levam a família com eles. À 2.ª feira também costumam ter um dia livre. As condições de trabalho são excelentes. Os estrangeiros só podem levar a família após um ano de permanência no país.
- Há limite para jogadores estrangeiros?
- Cinco na I Liga, 3 na II. Temos muitos brasileiros, para aí uns 30, e africanos, europeus de leste, alguins argentinos...
- E treinadores?
- Também. Para além de mim, está lá o Vital. Temos brasileiros, tailandeses, franceses, alemães...
- O Vietname pode aspirar a participar na fase final de um Mundial?
- Um dia vai poder, tem todas as condições para tal na próxima geração. O Vietname é um país com uma população muito jovem, mais de 70% tem menos de 30 anos. Com um pouco mais de cultura táctica...
- O trauma da guerra continua vivo?
- Para os mais velhos. Para os mais novos é só história. Todos têm, porém, um grande sentido patriótico. Há 2 milhões de vietnamitas a viver nos Estados Unidos e as suas remessas de dinheiro são colossais.
- Qual é o salário médio?
- 150 dólares. Mas, curiosamente, os vietnamitas são muito consumistas. Para além dos 150 dólares, contam com as remessas dos familiares emigrados e fazem uma grande vida social. Os restaurantes estão sempre cheios. O Norte é como o nosso, até no clima, e o Sul é bem diferente. Podem estar 15 graus em Hanói em 35 em Saigão, ou Ho-chi-Min. É um país com 3000 quilómetros de costa.
- É verdade que nunca conduziu no Vietname?
- É. O trânsito é caótico, assustador, com filas de carros sucessivas e milhões de motas e bicicletas. Anda-se muito devagar dentro da cidade. Ali conduz-se à esquerda, como em Portugal, mas vai toda a gente pela direita...
- O tabaco é caro?
- Um maço custa um dólar.
- A filosofia de vida...
- É um povo tranquilo, friendly. Uma sociedade agitada sem stress. Ninguém chateia ninguém, há uma filosofia de não agressividade e a segurança é imensa.
- Quando recebeu o troféu embrulhou-se na bandeira de Portugal...
- Foi simbólico. Não preparei nada. Estava lá o Afonso, um português que vive em Hanói, que levou a bandeira. Foi um orgulho muito grande para mim porque o que sou devo-o a este país e ao futebol português.
- A FPF felicitou-o?
- Sim, o Gilberto Madaíl mandou-me um fax, como acontece sempre que ganho alguma coisa. Não temos embaixador no Vietname, o que é incrível, tendo em conta o potencial de negócios que ali existe. Temos só um encarregado de negócios em Singapura. Neste momento estão no Vietname 263 empresas estrangeiras de 26 países. Os espanhóis estão na moda.