O QUE DIZ EVANGELISTA


(entrevista integral que fiz para o Record com o presidente do Sindicato dos Jogadores, JOAQUIM EVANGELISTA)


– O que vai mudar, para melhor ou pior, com no novo regime jurídico das federação, na perspectiva do sindicato dos jogadores?
– Vai haver necessariamente uma nova configuração do futebol português. O sindicato criticou este governo pelo atraso da publicação e da lei de bases e do regime jurídico. Compreendo os argumentos do secretário de Estado do desporto, sei que não é fácil fazer reformas imediatas, mas o futebol português não pode esperar. Cada dia que passa perdemos uma oportunidade de nos tornarmos mais competitivos. Aplaudo, por outro lado, o regime jurídico. Não sendo fracturante, estando em linha com o que já é prática em muitos países europeus, dá um passo em frente.
– Não será fracturante no sentido de que acaba com a hegemonia das associações de futebol?
– Temos de ter consciência de que as leis em Portugal emergem em função da censura que se faz a determinada situação. Porque é que, por exemplo, houve o registo de interesses para os árbitros? Porque houve uma grande suspeição. Porque é que há um pacote de leis para a corrupção? Porque existe este fenómeno na sociedade. O paradigma muitas vezes é o futebol porque se tem consciência que aqui há bloqueios e vícios na assembleia geral da FPF que têm de ser eliminados. Portanto, as leis emergem porque a sociedade em geral faz uma censura sobre determinadas práticas.
– Dê-nos um exemplo...
– O caso do Artur Jorge quando se quis candidatar a presidente da FPF. Nem sequer foi a votos porque as associações não o permitiram. Portanto, no modelo actual as associações são responsáveis pelo estado em que está o futebol português. Os 55 % dos votos que as associações tinham impediam que se fizessem as reformas necessárias. Mas também era verdade que só meia dúzia de associações é que tinham poder de decisão. Criou-se uma comissão delegada que não existe no plano formal, composta pelas seis associações mais representativas, que tem a má prática de um dia antes das assembleias definir uma estratégia e um sentido de voto, surpreendendo os outros sócios da FPF. Isto não pode suceder. Esta lei vem repor o que é a realidade, dando às associações os votos que estas representam. Repare que em Espanha a Federação consagra para os praticantes 30% dos votos...
– E com quanto vai ficar o sindicato dos jogadores no novo modelo jurídico?
– Com 15%. Tínhamos 10% e nada pedimos.
– Mas quanto é que queria: 30%?
– Não, acho equilibrado. Mas repare que estes 15% terão de ser traduzidos em votos individuais. Enquanto eu actualmente tenho no bolso 15% dos votos, irei ter de eleger 15 delegados, 15 jogadores, e cada um representará um voto. É mais democrático.
– Mas não podem também esses 15 delegados concertar um estratégia?
– Podem, mas é mais democrático, embora em última instância possa ser uma situação incontrolável, pois o voto é secreto. Repare que hoje em dias os grandes debates não são feitos em sede de assembleia geral mas sim na comunicação social e até nos blogues. Há notícias e factos que são denunciados primeiro nos blogues e nos jornais desportivos e as assembleias gerais normalmente andam a reboque desses temas. Os dirigentes não têm uma política desportiva...
– Está a falar da Liga em concreto?
– Estou a falar na maioria dos dirigentes. Quer a FPF, quer a Liga não têm um programa ou uma linha de orientação.

"O presidente da Liga não pode ser ao mesmo tempo deputado e vice-presidente da FPF. Há aqui qualquer coisa que não faz sentido. A Liga tem de ter um presidente remunerado a tempo inteiro."


– Hermínio Loureiro definiu, na sua tomada de posse, uma série de objectivos e até já cumpriu alguns...
– Mas ter um programa é fácil, executá-lo é mais difícil. O Hermínio Loureiro conseguiu, de facto, implementar a Taça da Liga, conseguiu arregimentar patrocínios, conseguiu começar a rever o contrato colectivo de trabalho. O balanço é positivo mas a Liga tem que ir mais longe, tem de ir ao encontro de aquilo que é vital para o futebol. E aborrece-me ver a Liga, muitas vezes a discutir a novas tecnologias mas quando descemos à realidade verificamos maleitas e defeitos incríveis: o desemprego dos jogadores portugueses, a falta de competitividade, os passivos dos clubes, as assistências nos estádios…Por exemplo, para a UEFA os nossos clubes têm de ter licenciamento mas para o nosso campeonato não. Por outro lado, o presidente da Liga não pode ser ao mesmo tempo deputado e vice-presidente da FPF. Há aqui qualquer coisa que não faz sentido. A Liga tem de ter um presidente remunerado a tempo inteiro.
– Voltando ao regime jurídico, não acha que mais importante que um novo quadro legal é mudar a Federação Portuguesa de Futebol?
– Acaba de dizer uma coisa que é verdade. Este é o reflexo do futebol que temos. A FPF não é mais nem menos do que o reflexo do que é a imagem do nosso futebol. Os vícios que existem na Federação são os vícios que os dirigentes do nosso futebol têm. Há uma grande falta de cultura democrática, há uma desresponsabilização generalizada, há falta de verdade, há aproveitamentos pessoais. E curiosamente até já apareceu um dirigente de Leiria a afirmar que os jogadores não estão preparados para ocupar cargos no futebol. O que não é verdade, se repararmos no que acontece noutras partes do mundo. Mas também posso perguntar: que qualificações é que têm os nossos dirigentes? O sistema actual está formatado também para impedir o acesso dos jogadores a outros cargos no futebol que tem demasiada gente da política e das empresas.

"Se tivesse medo, não estava aqui. Gosto de fazer isto sobretudo pelo facto de ajudar os jogadores a resolverem problemas. Repare que raramente me vêem nas tribunas dos nossos estádios. "

– E com este regime jurídico vai haver uma mudança de paradigma também a esse nível? Os bailarinos não continuam a ser os mesmos apesar da mudança de música?

– Vão… Mas como se diz que no Apito Dourado já se sente um efeito profiláctico, a alteração do regime jurídico não terá um efeito imediato mas causará mudanças. Mas teremos de esperar provavelmente mais que uma geração para acabar com os vícios que estão instalados. Teremos de ter paciência com a consciência de que isto é um passo em frente. Repare, a lei do tabaco entrou em vigor há pouco tempo e pelos vistos já está a ser aplicada com bastante eficácia. Temos de aproveitar a coragem das pessoas para levar isto para a frente. Como acontece com as posturas do Marinho Pinto e da Maria José Morgado.
– Não se sente um pregador no deserto?
– Os meus destinatários são os jogadores de futebol e 99% dos jogadores revêem-se no sindicato. Muitas vezes não dão a cara, é verdade, mas há que ter em conta que os jogadores estão dependentes de uma relação laboral e num mundo em contracção. Desse ponto de visto, às vezes pode parecer que estou só.
– É verdade que os estágios que o sindicato promove para jogadores desempregados têm uma grande taxa de sucesso?
– Bem, posso dizer que 60 a 70% desses jogadores são colocados nos clubes. É muito positivo. E um dos treinadores, o Peixe, acaba de ser recrutado pela Federação…
– Quanto ganha o sindicato com os direitos televisivos?
– Mil euros por cada jogo em canal aberto.
– É miserável…
– É uma situação que temos de rever. No Brasil, o sindicato dos jogadores recebe 25% desses direitos. Uma percentagem entre 10 e 15% seria justa, no nosso entender, mas esta é uma questão complexa que terá de ser debatida com a Liga, os clubes e a Olivedesportos.
– Quanto é que o sindicato gasta em apoios directos aos seus sócios?
– Entre 100 e 150 mil euros por ano de apoios aos mais carenciados. Por exemplo, ainda recentemente o Humberto, que ficou sem as duas pernas, recebeu 8000 euros para umas próteses.
– Qual foi o caso mais dramático que viveu?
– O João Manuel. Acompanhei este caso muito de perto. Acho que tocou a todos. Depois, tivemos este caso do Humberto, que acabou por ficar sem as duas pernas e que tem uma filha jovem que foi agora mãe. Estamos sempre atentos a estas e outras situações, somos proactivos.
– Já viveu momentos difíceis tendo em conta que costuma ser uma pedra no sapato dos nossos dirigentes?
– Houve o caso mais mediático do presidente do Imortal que me disse que me pendurava numa baliza, acção que está no Ministério Público e na FPF. Os meus filhos tiveram conhecimento desse caso.
– Tem medo de um dia ser mesmo pendurado numa baliza?
– Não. Se tivesse medo, não estava aqui. Gosto de fazer isto sobretudo pelo facto de ajudar os jogadores a resolverem problemas. Repare que raramente me vêem nas tribunas dos nossos estádios.