É ISTO A AVENTURA?


O que tem assim tão de atractivo uma prova na qual participam meninos ricos e onde por norma o primeiro classificado é um "piloto de marca" apoiado por um "staff" superior ao do harém do sultão do Brunei? Pelos vistos, é muito interessante. Ora aí está de novo o ...- Dakar, desta vez a partir de novo de Lisboa, para nos encher os dias. Os portugueses estão lá em força: nos carros, nas motos e nos camiões. Somos um povo que ama o chamado desporto automóvel. Deve ser defeito meu mas sempre que fui ver o rali de Portugal a Arganil foi na perpectiva de poder comer uma gaja ou, em alternativa, um bom chouriço assado (nada de segundos sentidos, tá?). É verdade, temos o Carlos Sousa, que há alguns anos anda a namorar um lugar no pódio e que entretanto vai tendo o prazer de, sem precisar propriamente, lhe pagarem bem para se divertir a cavalgar as dunas com os camelos a aplaudir. As nossas televisões vão atrás e, convenhamos, as imagens que nos chegaram do Teneré (?) ou das dunas de nenhures são magníficas, embora o tráfego estrague um bocado aquilo. Dir-me-ão que vale o espírito de aventura mas não estou a ver onde. Aquilo é duro mas que conste o catering raramente falha. E depois temos os especialistas, essa tribo de jornalistas que passa o ano a experimentar automóveis e a dizer bem deles. Porque é bem e, dizem, atrai publicidade. Mais uma vez o problema deve ser meu, que tenho com os carros a mesma relação que tenho com os sapatos: o importante é que me ajudem a andar e que acenda a luz vermelha quando é preciso mudar o óleo. Ok, o sonho de qualquer português que ganhe o euromilhões, o que por si só já é um sonho, é ter dinheiro para ir ao Dakar. Eu contento-me em ter algum para ir em Março a Nova Iorque ver a neve no Central Park e para poder circular na 5.ª avenida num táxi amarelo conduzido por um monhé. Pode não ser tão excitante mas basta-me. E, evidentemente, a indústria automóvel e o respectivo "desporto" até agradecem que no Mundo circulem anormais deste calibre, incapazes de perceber a beleza, a grandeza e a mensagem de uma competição como o Lisboa-Dakar, para qual me convoco sempre na esperança de poder ver um Subaru a dar cambalhotas duna abaixo com um europeu enfastiado lá dentro. Ainda assim, temo sempre que um lacrau possa ser atropelado. Tenho por eles uma estima que não consigo ter por tipos que passam 12 horas dentro de um carro a olhar para o GSP.