Rapidinhas II

Saiu aos 65 minutos. Dois remates, um para fora, o outro para as mãos do guarda-redes. Teria posto demasiado gel no cabelo ou foi a bandolete que não estava bem posta? Dois fotógrafos pelo menos não lhe apontaram a objectiva quando fez de conta que ia atirar às redes. E os colegas fizeram tudo para não lhe passar a bola. Lembrou-se dos tempos em que era um miúdo e também um craque. O velho treinador dizia-lhe para atacar a bola, para não ter medo dela, para não fechar os olhos quando cabeceava, para ser o primeiro a correr para os abraços quando outro marcava um golo, para não chorar quando ficava no banco, para treinar em casa - contra a parede - o maroto do pé esquerdo... Sentado no balneário, só, enquanto o estádio fazia bruá, provavelmente por causa de um golo daquele que o substituira, o homem que saiu aos 65 minutos fez de conta que ia entrar e quando abriu a torneira do duche deixou a água gelada correr-lhe pela espinal medula. Há dez anos que não se sentia tão vivo. Sem gel, sem bandolete, despido de tudo, como naquela tarde de chuva, num pelado de Amarante, frente ao Freixo-de-Cima, quando marcou sete golos em 17 minutos e foi premiado com dois sumóis de laranja e duas sandes de presunto. Não havia fotógrafos nem jornais. Mas aquele foi, sem dúvida, o seu grande dia de glória.