A VIDA NAS REDACÇÕES É MUITO PERIGOSA


É muito fácil perorar sobre o bom jornalismo, sobre independência e sobre credibilidade quando se está lá fora a rachar lenha. Muito mais difícil é conseguir esta excelência. Reconheço que não é para todos e mesmo para quem não é todos os dias, nem todas as semanas e muitas vezes meses ou até anos. Por duas razões grandes: a razão estrutural e obviamente a razão pessoal. Muitas vezes a estrutura sobrepõe-se à vontade e ao talento para conseguir chegar lá - é o caso de certas redacções regidas sob doutrinas pseudomodernas mas que de dinamismo têm muito pouco, onde o convite à acomodação e ao laxismo até podia estar na agenda. Pessoalmente, é muito mais difícil chegar lá porque dar notícias, estar em cima da actualidade, informar com isenção e apenas com o dever inerente, tem muitas vezes custos pesados, atirando quem o faz não só para o grupo dos chatos que incomodam internamente como também para a categoria de persona non grata daqueles que são visados pelas notícias e cujo poder muitas vezes se sente também nas reuniões de direcção dos jornais. Essa ideia romântica do jornalismo é mesmo apenas isso - uma ideia. A vida nas redacções é muito perigosa. Há em Portugal bons jornalistas - alguns deles hoje reduzidos à posição de cronistas, pois assim não incomodam tanto... - mas a verdade é que os jornais fazem muito pouco por aproveitá-los. Nesta terra de cegos quem tem um olho arrisca-se a ficar sem ele. Só assim se compreende que nos 4 últimos dias um jornal desportivo tenha ignorado que Pinto da Costa viu mais dois processos com pedido de reabertura no "famigerado" Apito Dourado, preferindo elaborar teses conspiratórias sobre a não despenalização de Quaresma (que a acontecer seria muito mau para uma Comissão Disciplinar da Liga que, finalmente, está a fazer um trabalho sério, sem se vergar a pressões). É no que dá o "engachamento" ou, se preferirem, o "agachamento", mas eu sou suspeito para falar porque para alguns dos clientes do BnA não passo de um vendido, o que me surpreende muito quando todos os meses recebo o extracto do Barclays. Alguém me está a roubar, suspeito... Ainda a propósito deste último assunto, consigo perceber a estratégia mas o mesmo já não consigo quando olho para outros jornais do mesmo ramo e reparo que não é feito o mínimo esforço para tratar "como deve ser" um assunto tão delicado como o Apito Dourado. Sim, é irrefutável que é um tema que incomoda mas não o querer ver é quase o mesmo que ignorar que nos entrou em casa uma manada de elefantes em trote rápido.