APITO MORGADO

A reabertura do inquérito relativo aos factos do polémico FC Porto-Estrela da Amadora é praticamente uma acusação prévia contra Jacinto Paixão, Pinto da Costa, Reinaldo Teles e António Araújo, entre outros. Recorde-se que na próxima quarta-feira completa-se o 3.º aniversário desse célebre jogo na caminhada do FC Porto de Mourinho para a conquista do campeonato e da Liga dos Campeões. O DIAP do Porto, em Abril do ano passado, entendeu que não havia factos suficientes que fizessem antever uma acusação bem sucedida em sede de julgamento. E por isso, mas não só, arquivaram o processo. Mas é então que surge primeiro o livro e depois Carolina Salgado. E as suas declarações foram, segundo Morgado, "inovadoras" do ponto de vista do processo já declarado morto, apesar de se sustentar em diligências de prova circunstancional, inquirição de testemunhas, declarações para memória futura, reconhecimentos fotográficos, regulamentos de arbitragem, auto de compromissos dos peritos, informação policial, visionamento do jogo, informação policial sobre a noite subsequente do mesmo, buscas (SAD do FCP, por exemplo), relatório de peritagem, relatório policial e até...as 17 leis do jogo. O DIAP do Porto entendeu existir "insuficência judiciária" da prática de crimes pelas pessoas indiciadas, "com base num juízo de improbabilidade de condenação dos arguidos". O DIAP não encontrou nexo de causalidade entre os momentos de prazer proporcionados aos assistentes de Paixão (que declarou ter recusado a oferta) e qualquer desvirtuamento da verdade desportiva. Mais, o DIAP entendeu que não lhe cabia julgar eticamente os divertimentos que o empresário António Araújo a quem deles se aproveita "no complexo mundo do futebol". Não lhes parece que o mundo da justiça também é um bocado complexo, sobretudo quando os magistrados se esforçam por escrever em português do século XIX? Adiante. Para chegarmos de novo ao depoimento de Carolina que mudou o "chip". A ex-companheira de Pinto da Costa confirmou que o FC Porto reunia com os árbitros e lhes oferecia prendas não apenas em cash, para obter arbitragens favoráveis. Em nome "da paz jurídica dos arguidos" (era disto que estava a falar), Morgado entende que o MP fica colocado perante um dilema insofismável que o conduz para a continuação da acção penal. O depoimento de Carolina "adquire um efeito inevitavelmente invalidatório do arquivamento" (a dança continua), o que conduz, ainda segundo Morgado, à reabertura oficiosa do inquérito, considerando que a nova prova produzida "afigura-se-nos substancialmente esclarecedora da principal dúvida indiciária determinante do arquivamento". A valoração da testemunha Carolina Salgado resultado, por outro lado, dos seus conhecimentos, da sua "notória proximidade doméstica com os acontecimentos" e ao modo "como os viveu junto dos arguidos" - situação que não lhe retira credibilidade, apenas lhe dá força testemunhal. Temos, portanto, aqui uma bela peça para debate também entre os chamados juristas. E também motivo para alguma fofoquice nos corredores dos tribunais, sobretudo nos superiores. É muito raro o MP, apesar de todos os floreados de linguagem, desmontar aquilo que o MP fez e neste caso isto até aconteceu 3 vezes, ou seja: Carlos Teixeira, procurador adjunto do Tribunal de Gondomar, indiciou; o DIAP do Porto, através de outro procurador cuja assinatura não se consegue decifrar, arquivou; e agora Maria José Morgado, procuradora também, volta a abrir o processo nas barbas de alguns dos seus superiores que deveriam tutelar o caso. A contestação da reabertura do processo é bem capaz de passar por aqui, com o recurso a alguns famosos juristas que vivem dos seus doutos e bem pagos pareceres, embora Morgado já se tenha de algum modo antecipado ao citar alguns deles na fundamentação da sua decisão.

Haja fé.