João Loureiro - tudo o que precisava de ser dito


– Aceitou prorrogar por mais um ano o seu mandato presidencial mas deu para ver que hesitou antes de fazê-lo. O que se passa, afinal?
JOÃO LOUREIRO – Tenho quase 10 anos de sucessivos mandatos como presidente da direcção do Boavista e antes disso estive 2 épocas como presidente adjunto, numa direcção presidida pelo meu pai. São, portanto, 12 anos ao serviço do clube. Chega um momento em que temos de perguntar o que é melhor para a nossa vida. Ao contrário do que alguém possa pensar, a minha actividade no Boavista não é remunerada…
- E para si há vida para além do Boavista…
JL - Tem que haver. Tenho os meus próprios negócios, tenho a minha actividade de advogado, que tenho exercido sem a barra e que está muito sustida em virtude da minha actividade no Boavista.
– E a actividade política?
JL – Essa já está de lado há muito tempo. Há uma altura em que temos a obrigação de pensar um pouco no futuro. Tenho 43 anos, ainda sou novo, mas, enfim, tenho de pensar verdadeiro no que quero fazer pelo meu futuro. Presumo que se entenda que o meu percurso no Boavista teve marcos históricos indiscutíveis que espero que um dia se repitam.
– A verdade é que antes de aceitar prolongar o seu mandato…hesitou. Porquê?
JL – Para mim era importante ter a certeza de que as pessoas verdadeiramente estão sintonizadas com a minha forma de gerir o clube.
- Em algum momento duvidou de tal?
JL – Não é uma questão de dúvida, é uma questão de clarificação. Basicamente, o que eu disse, quer na reunião da direcção quer no conselho geral, foi que tenho um percurso como presidente do clube e da SAD e que neste último mandato tivemos de fazer uma gestão muito mais controlada e que essa gestão foi feita a bem do Boavista FC. Seria mais cómodo para mim fazer uma gestão de mãos largas mas fiz o que fiz no superior interesse do clube. E o meu problema neste momento é este: não me queria estar a comprometer com mais um mandato de 3 anos, assumindo um compromisso, mas também tinha a consciência que há processos em desenvolvimento que são fundamentais para o Boavista, processos que podem ser concluídos proximamente. Portanto, não seria responsável sair neste momento. O que disse foi que me disponibilizava para prorrogar o mandato até ao fim da época desportiva e que até aqui sinto que tenho condições para fazer as últimas reformas antes do relançamento do Boavista. E que nessa altura terei tempo para reflectir sobre o meu caso pessoal.
– Ou seja, daqui a um ano vai pensar se continua ou não como homem do leme?
JL – A parte pessoal é a última em que penso. A minha grande preocupação é o Boavista. Tenho a certeza que depois de tudo o que fizemos, em termos de controlo de custos, processo que foi muito difícil, pois em 3 épocas baixamos o orçamento para cerca de 40% dos níveis do Boavista da Liga dos Campeões, um novo ciclo se seguirá.

– A que se deveu este tempo de vacas magras?
JL – É muito simples. Construímos um estádio no qual investimos quase 50 milhões de euros e somos o único clube em Portugal que tem que pagar um estádio feito para o Euro 2004 na sua quase totalidade, à parte o 1,5 milhões de contos que recebeu do Estado. Todos os semestres, mercê de um financiamento que obteve, o Boavista despende 1 milhão de euros por causa deste processo, não tendo até aqui falhado nem num cêntimo o cumprimento desses compromissos. Ou seja, todas as épocas desportivas parte com menos 2 milhões de euros. E nada disto teria sido necessário se tivéssemos tido os apoios que os outros clubes tiveram. Na altura até houve uma série de promessas, que um dia vão explicitar melhor, que não foram cumpridas, o que criou uma situação difícil.
– Quanto é que o Boavista já amortizou?
JL – O Boavista já pagou sensivelmente 10 milhões de euros, tendo pago uma parte do estádio sido paga por outros meios.
– Qual é o orçamento do Boavista esta época?
JL – Com tudo incluído, rondará os 4 milhões de euros. Dá para ver que 1/3 do que podia ser o nosso orçamento normal deixa de existir. Ao que se junta o decréscimo de outro tipo de receitas. Nestas 2 últimas épocas, o Boavista tinha sensivelmente o 10.º orçamento da Liga, acima de nós estavam os 3 grandes, os 2 clubes da Madeira (que têm subsídios regionais fortíssimos) e pelo menos a Académica, o Sp. Braga, o V. Guimarães e o Belenenses. E nós, apesar de tudo, estivemos duas vezes às portas da Europa. O que me leva a dizer que a relação orçamento/resultados não foi má, embora não me tenha satisfeito, pois quero sempre o melhor. Mas, repito, a causa disto tudo é exterior ao Boavista porque não deram a este clube aquilo que deram aos outros.
– Mas quem é que não deu?
JL – Um dia chamarei os bois pelos nomes. Neste momento estou mais interessado em resolver os problemas. Há relatórios oficiais do Tribunal de Contas que provam o que estou a dizer mas não é difícil perceber: em 10 estádios do Euro 2004, cinco são municipais porque foram completamente custeados por dinheiros públicos, inclusive o do Guimarães, não obstante seja propriedade do Vitória; sobram 4, os 3 grandes e o Boavista; em Lisboa toda a gente sabe que, através da EPUL, houve apoios, no Porto o PPA beneficiou o FC Porto e o Boavista foi o único que ficou órfão nesta história toda.
- Não se sente enganado?
JL – Exactamente. Mais do que enganado, sinto-me triste. Como é que num país em que se fala de igualdade de oportunidade isto acontece? O que aconteceu no Euro 2004 acontece no dia a dia pois são conhecidos os apoios regionais e autárquicos a determinados clubes. Vamos entroncar na chamada concorrência desleal. Temos sido, a este nível, altamente prejudicados e até me questiona até que ponto isso não deriva do sucesso que tivemos.
– Quer explicar melhor?
JL – O Boavista começou a assustar muita gente.
– Quer dizer, o Boavista foi castigado pelo facto de ter sido campeão?
JL – Não tenho dúvidas quanto a isso. Qualquer pessoa que seja honesta sabe que isto é verdade e percebe que o Boavista a vários níveis foi o bombo da festa em Portugal e só se aguentou, e vai continuar a aguentar, porque há um grupo de pessoas que gosta do clube, que tem mão de ferro e que não desiste.
– É esse também o estímulo que o faz continuar?
JL – Podem ter a certeza absoluta que nunca deixarei o Boavista enquanto não considerar que está em velocidade de cruzeiro para novamente poder ser um clube de sucesso.
- O Boavista é o 4.º grande do nosso futebol?
JL – Já tenho lido muitas comparações a propósito deste tema. O que lhe posso dizer é que o que o Boavista fez em cinco épocas, e que muita gente tenta branquear, nunca foi conseguido por qualquer clube em Portugal para além dos 3 grandes. Fomos campeões nacionais, fizemos dois 2.ºs lugares, ou seja, por 3 vezes ficamos à frente da maior parte dos grandes. A que se junta uma meia-final da Taça UEFA e duas presenças na Liga dos Campeões com uma presença na fase final deste competição. Mas a dada altura houve uma conjunção de interesses que visaram o Boavista…
– Não lhe quer chamar um complot?
JL – Não. Não foi nada planeado. Agora, sim, houve uma conjunção de interesses que tornou a nossa vida, a partir desses momentos, muito mais difícil. Os 3 grandes têm o poder que têm e não tinham interesse em ver mais um a fazer parte do clube, até porque só há 3 lugares na Liga dos Campeões e são lugares cada vez mais cativos.
– O Sp. Braga nos últimos anos tem-se insinuado como concorrência à santíssima trindade do nosso futebol…
JL – Tem feito bem, elogio, mas nunca entrou no clube. Porque no dia que entrasse também iria sentir as repercussões e os empecilhos que nós tivemos. Não vou dizer que houve um complot, houve sim um conjunto de interesses quer dos 3 grandes quer o dos outros clubes…e aí entra a mesquinhez e a inveja que neste país são sentimentos que muito predominam. Quem for sério, honesto e isento não pode deixar de chegar a esta conclusão. Não foi só isto mas este foi um factor importante que nos atirou para esta situação e nos obrigou a fazer reformas duras, difíceis e às vezes mal compreendidas. Falando numa linguagem fácil de entender, se essas medidas não têm sido tomadas podíamos ter seguido o caminho de outras instituições que hoje não desapareceram mas que vivem situações extremamente difíceis. Conseguimos ir resolvendo as situações e hoje já temos as nossas receitas adequadas às nossas despesas.
– Equilibrado o clube, o que vai acontecer?
JL – Estamos numa situação não de folga mas de algum equilíbrio e agora podemos recomeçar a crescer. Fizemos um plano para 2006/2007 e 2007/2008, mantendo um plantel com custos controlados, mas conseguimos uma ou outra contratação que nos poderia recolocar num sento ascendente. E contratámos um treinador para corporizar esse plano. Sem sobressaltos, estaríamos hoje acima do lugar em que estamos actualmente.
– Não estava à espera era que lhe roubassem o treinador…
JL – Não ouvi a pergunta, desculpe… Não vou polemizar mais sobre este caso. Não retiro uma vírgula ao que disse. Mas é fácil de entender que não foi só a saída do professor Jesualdo Ferreira como também o momento em que aconteceu criou uma instabilidade que não podia ser sequer ser imaginada. Este plantel foi feito com base em determinada concepção de futebol, que era a concepção do professor Jesualdo Ferreira. Por minha vontade, tal não teria acontecido. Não gostei da forma como saiu do Boavista mas como profissional a sua capacidade é inquestionável e reafirmou esta ideia no tempo em que esteve aqui, o que me levou a fazer tanta força para não sair.
– Porquê a aposta em Petrovic?
JL – Porque não quis fazer com outro clube mais pequeno aquilo que foi feito ao Boavista. A aposta não deu resultados mas penso que o Petrovic é um treinador com qualidade e que vai ter sucesso. A minha possibilidade de escolha era muito reduzida, tinha ouvido bons comentários a seu respeito e de aí a opção. Sendo franco, havia, então, 2 treinadores possíveis: o Jaime Pacheco e o António Sousa. Mas não nos pareceu bom que o Sousa entrasse estando o filho dele a jogar no Boavista, até em virtude da instabilidade já criada. O Jaime Pacheco seria a minha escolha natural mas considerei que em Setembro os boavisteiros não estavam tão disponíveis para perceber a sua entrada.
– Contratar pela terceira vez um treinador não é inédito – o FC Porto fê-lo, por exemplo, com Pedroto – mas é pouco habitual…
JL – É uma boa comparação, está a ver? Nesta altura, com a equipa mal classificada e sentindo-se que começava a haver alguma descrença dos jogadores nas suas capacidades, já não dava para arriscar muito. Tinha de contratar alguém que me desse o máximo de garantias. O Jaime Pacheco pelo que já deu ao Boavista e até pelas suas características naturais de pessoa que gosta de trabalhar e que transporta com ele uma energia natural, pensei que seria a melhor solução.
– Foi fácil convencê-lo?
JL – Foi. Tivemos uma conversa muito longa mas para lhe explicar o que tinha acontecido, o tipo de plantel que tínhamos e como é que devíamos gerir a situação com a sua contribuição. Repito o que disse no dia da sua apresentação: foi-lhe pedido para daqui até à paragem de Dezembro tentar levar o Boavista para um melhor nível classificativo. Depois, logo veremos se temos margem para redefinir os nossos objectivos.
– E em Dezembro não vai aparecer ninguém a tentar contratar jogadores com a qualidade, por exemplo, de Linz?
JL – Em Janeiro não sai qualquer jogador a não ser por vontade do treinador. Não posso dizer o mesmo em relação ao final da época mas quanto a Janeiro será assim.
– Já teve alguma proposta pelo Linz?
JL – Não, se calhar até virtude de tudo o que tenho dito.
– Mas o Boavista precisa de vender jogadores…
JL – Por isso digo que no final da época não fecho essa porta. Não é só o Linz, não sai nenhum que o treinador entenda fundamental para o seu projecto, poderão é sair – espero que não – quem não coloque a equipa acima de si próprio, não conseguindo trabalhar aos níveis de que o Jaime Pacheco gosta.

curtas
AUMENTO DE CAPITAL. “Há um projecto de aumento de capital em marcha que passa pela emissão de 25,5% de acções do capital social da SAD do Boavista (11 milhões de euros, actualmente). Se fosse essa a nossa intenção, já teríamos conseguido vender a totalidade do capital. Mas o que o Boavista pretende não é só alguém que entre com capital mas também com ‘know-how’ e que faço connosco um contrato de parceria. Nos próximos 6 meses o processo pode estar concluído. Negociei com 5 grupos, todos estrangeiros, e há 2 que preenchem este tipo de requisitos. O nosso futuro parceiro participará connosco na gestão de um clube que tem um activo na ordem dos 85/100 milhões de euros face a um passivo de 60/75 milhões de euros. Quando há clubes que nem património têm. Somos ainda um clube que tem um bingo que rende cerca de 1 milhão de euros por ano.”
LIGA DE CLUBES. “O Boavista faz parte da direcção e continuará a participar na gestão da Liga. Mas vamos ter uma atitude muito menos participativa por dois motivos: entendo que devemos concentrar todas as nossas energias no próprio clube e também que devemos dar espaço a outros para intervirem neste nível. Por outro lado, sentimos que o Boavista pelo facto de ter sido um clube interessado e positivo na resolução dos problemas do nosso futebol profissional, acabou por ser penalizado por ter tido essa atitude. Que não fique a ideia de que o Boavista não vai colaborar, o Boavista continuará a colaborar mas não fará mais do que isso”
GILBERTO MADAÍL. “Acho que o nosso futebol não está em condições de desperdiçar todos aqueles que lhe podem trazer mais valias e o presidente da FPF pode-lhe ser muito útil pelos excelente contactos internacionais que tem, para além de ser um dirigente que tem mostrado trabalho e resultados. Há coisas a melhorar na FPF – como, por exemplo, o modelo organizativo da Taça de Portugal – mas no geral tem sido feito um bom trabalho e gostaria, por isso, de ver Gilberto Madaíl continuar à frente da Federação.”
APITO DOURADO. “Tenho tido uma intervenção discreta na Comunicação Social sobre um assunto no geral sob segredo de justiça. No que me diz respeito, as questões levantadas estão quase todas arquivadas. O que não compreendo e que situações na minha opinião muito semelhantes a algumas já conhecidas tenham tido um tratamento, pela parte da justiça, completamente diferente. Há pelo menos uma série de interrogações que não posso deixar de colocar”